Uma experiência decisiva para a evolução da narrativa argentina deste século, diz o crítico uruguaio Emir Rodriguez Monegal sobre Museo de la novela de la Eterna. Foi publicada em 1967,
quinze anos depois da morte de seu autor e sete anos antes da publicação de sua
irmã gêmea Adriana Buenos Aires. Ao
contrário dela que traz como subtítulo último
romance ruim, Museo de la novela de
la Eterna é rotulada por seu autor de Primeiro
romance bom (Primera novela buena).
Recusando-se a fazer
Literatura como algo de concluído, Macedônio Fernández escreve uma obra aberta
que, não apenas oferece ao leitor diferentes possibilidades de leitura, mas que
deseja fazer dele um co-autor. Assim, ao longo de Museo de la novela de la Eterna, é instado a fazer opções
No primeiro prólogo, dos 57
que antecedem o romance propriamente dito, Lo
que nace y lo que muere (O que nasce
e o que morre) é dada ao leitor a escolha do gênero de sua predileção: ou o
romance bom ou o romance ruim. Uma pseudo liberdade de escolha, porque, no
intuito de impedir a escolha de uma em detrimento da outra obra, o autor
determina que seja obrigatória a venda das duas juntas. A seguir, o leitor será
solicitado, mais ou menos imperativamente, a colaborar no sentido de desconfundir o bom texto do mau. Pois,
escrevendo os dois romances ao mesmo tempo, usando idêntico tipo de papel e de
tinta e idêntica qualidade de idéias, numerando de maneira igual as páginas que
escrevia todos os dias e se esforçando para ser inteligente em ambas as obras,
o autor ficava perplexo quando o
vento fazia voar os manuscritos. E, sofria, por não conseguir identificar se uma página brilhante pertencia ao último
romance mau ou ao primeiro romance
bom.
Como se brincadeira fosse,
fica então, inserido nesse primeiro prólogo uma problemática literária que
desafia críticos e historiadores da Literatura: o julgamento de valor de uma
obra. Um tema retomado nos textos dirigidos diretamente aos críticos pois eles
são, certamente, parte desse processo que é sua meta discutir: a fatura da obra
literária, no caso, o romance.
E Macedonio Fernández busca
discuti-la jocosa e ludicamente numa abordagem em que leitor, personagem,
narrador e assunto adquirem um status que se afasta do convencional, levando à
construção de um ensaio cujos pressupostos continuam válidos apesar dos anos
transcorridos.
O que, aliás, parecia ser
esperado pelo autor e que ficou perfeitamente claro no “Prólogo final” de
sugestivo título: Ao que deseje escrever
este romance onde conselhos e
explicações se acrescentam às teorias romanescas enunciadas e postas em prática
nesse primeiro romance bom. Deixo, assim, a teoria perfeita do romance,
uma imperfeita peça de sua execução e um
perfeito plano de execução. Deixa, também, autorização para que seu romance
seja corrigido e editado por qualquer escritor que deseje fazê-lo, mencionando
ou não título da obra e autor. Embora não aspire à autoria de uma obra definitiva
e a ofereça como caminho a percorrer, o situar-se como elemento intermediário
lhe assegura um papel igualmente imprescindível no processo criativo que está
sempre em repetida mutação.
E mais do que ninguém, dela
Macedônio Fernández soube fazer a síntese: Tudo
foi escrito, tudo foi dito, tudo foi feito, escutou Deus que lhe diziam e ainda
não tinha criado o mundo, ainda não existia nada. Isso também já me disseram,
replicou, talvez da velha fenda Nada. E começou.
Uma frase de música do povo
uma rumena me cantou e logo a encontrei dez vezes em diferentes obras e autores
dos últimos quatrocentos anos. É inegável que as coisas não começam; ou não
começam quando são inventadas. Ou o mundo foi inventado antigo. Prólogo à
eternidade. Museo de la novela de la Eterna.
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