Carlos Meneses é um peruano que optou por viver na Europa. Trabalhando sempre com a palavra - jornalista e
literato - os anos todos passados longe de sua cidade natal não conseguiram, no
entanto, privá-lo da posse do linguajar típico de determinada população limenha
que habita a sua ficção.
No livro de contos, Seis y seis, que a Premia Editora do
México publicou em 1979, seus temas e seus personagens - poucas são as exceções
- tem origem na vida dos marginalizados sociais.
Não se trata de um querer
emitir explicações ou denúncias sobre as desigualdades sociais, mas registrar
detalhes de vida através da expressão própria de quem as viveu.
Oriundos do sub-mundo
urbano, os narradores desses contos se servem de uma linguagem que se distancia
da linguagem oficial tanto quanto o seu cotidiano se distancia da sociedade que
obedece aos valores tradicionais.
Como o título já o indica, o
livro de Carlos Meneses é feito de duas partes: na primeira, seis contos de seu
livro Cara o sello e na segunda,
outros seis contos já publicados em El
hambre de Melchior.
É do livro Cara o sello, o conto “Le juro que es
verdad”, expressão que irá se repetir na última linha do conto e que já anuncia
uma narrativa passível de conter elementos não verdadeiros.
O narrador se dirige a
alguém. Um ouvinte que permanece em silêncio e no anonimato e tanto pode ser um
amigo, um desconhecido, ou uma autoridade ligada à justiça. Inicia o relato com
a afirmação: eu não procurei. E,
concisamente, quase que somente se atendo aos fatos, narra a sua ida com o
amigo ao bordel e o se sentir ofendido pela mulher que, após a última briga e
acompanhada de um novo cliente o ignora; o ter-se lançado sobre o homem que no
momento, obtinha dela as atenções, o ter perdido a cabeça e usado o punhal.
Um triângulo amoroso do qual
uma das partes ignora o que se passa e morre sem ter-se dado conta do que
acontecia; a outra, não infringe normas, pois apenas está a cumprir o seu
papel; e a terceira, motivada pelo ciúme disfarçado de amor próprio, age por
incontroláveis impulsos, atacando o pseudo rival sem ter razões reais para isso
e, tendo levado o ataque ao extremo.
A narrativa, imitando o fato
que lhe dá origem, é rápida e apenas se inserem nele uma ou outra breve
informação sobre o motivo que levou o narrador ao bordel (ter uns trocados
sobrando e bebendo com eles deixar contente a dona do bordel) e sobre o
relacionamento com a mulher em quem, na semana anterior havia batido. E as
emoções que o invadem diante das atitudes de faceirice dirigidas ao outro e
que, no seu entender, foram aprendidas todas nos filmes americanos: levantava o
cabelo para a nuca requebrando-se ao dançar, no melhor estilo Rita Hayworth e,
em certo momento, também no melhor estilo de filme americano, tira os sapatos.
Na mulher que dança feliz,
no amigo que se propõe trazê-la, ainda que seja à força para beber com eles, na
dona do bordel que se aproxima sorridente, oferecendo outras parceiras, nada se
refere a um mundo adverso ou cruel. Somente é referida essa emoção muito forte,
sem amarras, conduzindo um gesto cuja consequência, inclusive, é lamentada: Aí ficou. Até senti pena dele. Se eu nunca o
tinha visto em minha vida.
“Le juro que es verdad” tem
duas páginas e meia e uma voz simplória, quase ingênua que precisa se explicar
sobre um fato que poderia ter acontecido em qualquer sub-mundo de qualquer
lugar.
O Continente está aí e em
dois momentos: na presença do filme norte-americano a induzir comportamentos e
nessa imagem do narrador quando se dá conta que feriu seu desafeto e compara a
camisa se avermelhando de sangue com a bandeira peruana. E, sobretudo nesse
domínio do falar coloquial limenho que torna esse conto de Carlos Meneses mais
do que uma bela e acabada criação literária um registro da transformação
lingüística que ocorre no espaço americano e que o escritor, ao reproduzi-la,
mostra que a descolonização, nesse campo, também é possível.

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