domingo, 27 de junho de 1993

Eludir a morte 3

          O sapo se salvara de morrer preso numa lata e enterrado, vítima de um ritual de crendice rústica. Logo se salvara das dentadas da cachorra Diamela que desenterrara a lata, casualmente aberta, permitindo-lhe retornar à vida. E ficou ao sol, olhando o dia que nascia para a pompa extraordinariamente magnífica que a natureza mostrava naquela manhã, como se estivesse querendo distrair à força de luz e de cores, a atenção de todos para que não pensassem, para que não duvidassem, para que continuassem confiando sempre na eqüidade de suas leis e no seu poder soberano.
          Na verdade, sua lei fora afrontada e seu poder desafiado pela morte violenta de Balbina. Balbina de cabelos pretos e olhos lustrosos, quase uma menina. Apaixonada sem esperanças pelo inglês que viera à América em busca de ossadas de índios para estudar, não consegue, na sua simplicidade, entender os motivos que o levam a partir.
          Vencido pela razão, Mister James volta para seu país e para seus estudos e, jamais, saberá que deixou atrás de si a tragédia.
          Dela, o leitor será informado no capítulo trinta e dois, o último do romance e que mal chega a três páginas. E essas, parecem tratar de Diamela, a cachorra da casa.
          Começa por contar que mal amanhecia quando Diamela acordou sobressaltada. Diz o narrador que talvez tenha ouvido um barulho, talvez tenha pensado que ouviu. Mas, ela não torna a dormir e começa seu dia se coçando antes de seguir o rastro que a intrigava e que a leva até o salgueiro.
          Já estava bem próximo à árvore quando se assustou pensando ser uma cobra o laço que serpenteava no chão. Ali perto, uma cadeira tombada e um pequeno chinelo de Balbina.
          A cachorra levantou os olhos, fez festa mas, não recebendo atenção, continuou a explorar moitas e macegas o que a levou à terra recentemente removida onde, cavoucando, encontrou a caixa em que estava preso o sapo. Quis mordê-lo quando a caixa se abriu mas, o largou logo. Ou por nojo ou porque, naquele momento, se ouviram os gritos da mãe de Balbina.
          O foco narrativo se fixa então, no sapo, olhando para a manhã que se inicia e o romance de Benito Lynch termina sem que tenha sido mencionada a palavra morte ou a impressionante figura da menina enforcada.
          Nas breves linhas em que dela se trata, é somente sugerida a sua ação pelo despertar de Diamela. O corpo pendurado da árvore é reconhecido pela cachorra e a informação sobre sua morte dada a partir da cadeira caída e do chinelo também ali caído. Sobretudo, a partir do desinteresse de Diamela quando não teve o menor gesto de simpatia ou de retribuição à alegria que demonstrara.
          Um mundo pleno de vida e de luz e de pássaros onde irrompem os gritos - alaridos selvagem, ulular de uma fera - que exprimem a dor materna diante da terrível cena que ao leitor é subtraída, deixando, no entanto, entrever, embora apenas insinuado, o que se passa nessa zona de sombras.
          Em El inglés de los güesos a zona de sombras se inscreve num mundo de luz em que a vida segue o seu curso.

Em 1987, O inglês dos ossos foi publicado pela Editora Tchê! de Porto Alegre, 63 anos depois da primeira edição argentina.

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