O sapo se salvara de morrer
preso numa lata e enterrado, vítima de um ritual de crendice rústica. Logo se
salvara das dentadas da cachorra Diamela que desenterrara a lata, casualmente
aberta, permitindo-lhe retornar à vida. E ficou ao sol, olhando o dia que
nascia para a pompa extraordinariamente
magnífica que a natureza mostrava naquela manhã, como se estivesse querendo
distrair à força de luz e de cores, a atenção de todos para que não pensassem,
para que não duvidassem, para que continuassem confiando sempre na eqüidade de
suas leis e no seu poder soberano.
Na verdade, sua lei fora
afrontada e seu poder desafiado pela morte violenta de Balbina. Balbina de cabelos pretos e
olhos lustrosos, quase uma menina. Apaixonada sem esperanças pelo inglês que
viera à América em busca de ossadas de índios para estudar, não consegue, na
sua simplicidade, entender os motivos que o levam a partir.
Vencido pela razão, Mister
James volta para seu país e para seus estudos e, jamais, saberá que deixou
atrás de si a tragédia.
Dela, o leitor será
informado no capítulo trinta e dois, o último do romance e que mal chega a três
páginas. E essas, parecem tratar de Diamela, a cachorra da casa.
Começa por contar que mal
amanhecia quando Diamela acordou sobressaltada. Diz o narrador que talvez tenha
ouvido um barulho, talvez tenha pensado que ouviu. Mas, ela não torna a dormir
e começa seu dia se coçando antes de seguir o rastro que a intrigava e que a
leva até o salgueiro.
Já estava bem próximo à
árvore quando se assustou pensando ser uma cobra o laço que serpenteava no
chão. Ali perto, uma cadeira tombada e um pequeno chinelo de Balbina.
A cachorra levantou os
olhos, fez festa mas, não recebendo atenção, continuou a explorar moitas e
macegas o que a levou à terra recentemente removida onde, cavoucando, encontrou
a caixa em que estava preso o sapo. Quis mordê-lo quando a caixa se abriu mas,
o largou logo. Ou por nojo ou porque, naquele momento, se ouviram os gritos da
mãe de Balbina.
O foco narrativo se fixa
então, no sapo, olhando para a manhã que se inicia e o romance de Benito Lynch
termina sem que tenha sido mencionada a palavra morte ou a impressionante
figura da menina enforcada.
Nas breves linhas em que
dela se trata, é somente sugerida a sua ação pelo despertar de Diamela. O corpo
pendurado da árvore é reconhecido pela cachorra e a informação sobre sua morte
dada a partir da cadeira caída e do chinelo também ali caído. Sobretudo, a
partir do desinteresse de Diamela quando não teve o menor gesto de simpatia ou
de retribuição à alegria que demonstrara.
Um mundo pleno de vida e de
luz e de pássaros onde irrompem os gritos - alaridos
selvagem, ulular de uma fera - que exprimem a dor materna diante
da terrível cena que ao leitor é subtraída, deixando, no entanto, entrever,
embora apenas insinuado, o que se passa nessa zona de sombras.
Em El inglés de los güesos a zona de sombras se inscreve num mundo de
luz em que a vida segue o seu curso.
Em 1987, O inglês dos ossos foi publicado pela
Editora Tchê! de Porto Alegre, 63 anos depois da primeira edição argentina.
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