domingo, 13 de junho de 1993

Eludir a morte 1


A morte interrompeu, com violência, vidas que estavam muito próximas da sua. E, foi tragicamente que Horacio Quiroga a ela se entregou. Nasceu no Uruguai, viveu na Argentina, numa propriedade rural de Misiones, onde enfrentou uma natureza agreste e indomada, para se dedicar ao cultivo do algodão.
Seus contos apareceram em periódicos antes de serem reunidos em livro. O primeiro, em 1917, Cuentos de amor de locura y de muerte quando ele já tinha trinta e nove anos. No ano seguinte, Cuentos de la selva e depois El salvaje (1920), Anaconda (1921), El desierto (1924) e Los desterrados (1925).
Quase sempre os críticos observam que seu texto, sóbrio, expressa uma visão estóica sobre as relações que o homem mantém com a natureza diante de cuja força ele é quase sempre impotente.
Notam, também, a importância do acaso a reger a vida dos homens. No breve conto “El hombre muerto” é o gesto acidental que dará fim à vida do personagem. Ele está carpindo quando, ao atravessar uma cerca, cai sobre o facão que se enterra no seu ventre e ali ele fica deitado sobre si mesmo.
O relato se constrói sobre seus últimos trinta minutos de vida.
O tempo passa - dois minutos, vários minutos, meio dia que se aproxima - e ele, sentindo-se muito cansado, sob o sol, vislumbra ao longe o teto de sua casa, ouve a voz do filho menor que se aproxima e vai perdendo as forças.
Pousado no chão, o rosto próximo à terra, já pouco ele pode ver. Reconstrói, mentalmente, o pedregulho vulcânico de grama rígida, o bananal e sua areia vermelha, a cerca de arame, o potreiro e perto de um moirão descascado, seu próprio vulto deitado.
Então, o foco narrativo se desloca e se impõe a figura do cavalo, imóvel junto à cerca, sem coragem de se mover. Ao ouvir, porém, as vozes que se aproximam, se torna para o vulto deitado, se tranquiliza e se movimenta porque o homem já descansou.
Palavras finais do conto cujo sentido se completa pelo título “El hombre muerto”. O ferimento mortal é apenas mencionado como se fosse impossível de ter acontecido; a certeza do próprio fim que tem o personagem como que se dilui nas dúvidas que se intrometem e na constatação de que é preciso mudar os moirões; a morte, quando sobrevém, não é descrita mas dada a conhecer a partir da liberdade que se outorga o cavalo - o amo já não está - ao ultrapassar a cerca.
Isto é uma interrupção da narrativa que Oscar Tacca, professor argentino, chama de zona de sombras: a voz do narrador que emudece por não poder ou não saber contar o que ignora.
Uma técnica que, aliada à concisão vocabular e à agilidade do ritmo narrativo, permite que seja atingida uma plena tensão dramática sem realizar a menor aproximação a esse temido momento ao qual todo o ser humano está irremediavelmente condenado.

A maestria do ficcionista se alia, então, a sua angústia.

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