A morte interrompeu, com
violência, vidas que estavam muito próximas da sua. E, foi tragicamente que
Horacio Quiroga a ela se entregou. Nasceu no Uruguai, viveu na Argentina, numa
propriedade rural de Misiones, onde enfrentou uma natureza agreste e indomada,
para se dedicar ao cultivo do algodão.
Seus contos apareceram em
periódicos antes de serem reunidos em livro. O primeiro, em 1917, Cuentos de amor de locura y de muerte
quando ele já tinha trinta e nove anos. No ano seguinte, Cuentos de la selva e depois El
salvaje (1920), Anaconda (1921),
El desierto (1924) e Los desterrados (1925).
Quase sempre os críticos
observam que seu texto, sóbrio, expressa uma visão estóica sobre as relações
que o homem mantém com a natureza diante de cuja força ele é quase sempre
impotente.
Notam, também, a importância
do acaso a reger a vida dos homens. No breve conto “El hombre muerto” é o gesto
acidental que dará fim à vida do personagem. Ele está carpindo quando, ao
atravessar uma cerca, cai sobre o facão que se enterra no seu ventre e ali ele
fica deitado sobre si mesmo.
O relato se constrói sobre
seus últimos trinta minutos de vida.
O tempo passa - dois
minutos, vários minutos, meio dia que se aproxima - e ele, sentindo-se muito
cansado, sob o sol, vislumbra ao longe o teto de sua casa, ouve a voz do filho
menor que se aproxima e vai perdendo as forças.
Pousado no chão, o rosto
próximo à terra, já pouco ele pode ver. Reconstrói, mentalmente, o pedregulho vulcânico de grama rígida, o
bananal e sua areia vermelha, a cerca de arame, o potreiro e perto de um moirão
descascado, seu próprio vulto deitado.
Então, o foco narrativo se
desloca e se impõe a figura do cavalo, imóvel junto à cerca, sem coragem de se
mover. Ao ouvir, porém, as vozes que se aproximam, se torna para o vulto
deitado, se tranquiliza e se movimenta porque o homem já descansou.
Palavras finais do conto
cujo sentido se completa pelo título “El hombre muerto”. O ferimento mortal é
apenas mencionado como se fosse impossível de ter acontecido; a certeza do
próprio fim que tem o personagem como que se dilui nas dúvidas que se
intrometem e na constatação de que é preciso mudar os moirões; a morte, quando
sobrevém, não é descrita mas dada a conhecer a partir da liberdade que se
outorga o cavalo - o amo já não está - ao ultrapassar a cerca.
Isto é uma interrupção da
narrativa que Oscar Tacca, professor argentino, chama de zona de sombras: a voz
do narrador que emudece por não poder ou não saber contar o que ignora.
Uma técnica que, aliada à
concisão vocabular e à agilidade do ritmo narrativo, permite que seja atingida
uma plena tensão dramática sem realizar a menor aproximação a esse temido
momento ao qual todo o ser humano está irremediavelmente condenado.
A maestria do ficcionista se alia, então, a sua angústia.
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