Montevidéu tinha 82 anos de
fundação e a governava um passivo defensor da Coroa espanhola.
Nos campos, a grande massa campesina era chamada à
ação pelos caudilhos locais. É o momento em que o gaúcho legendário vai se
constituir uma força - inconsciente e instintiva - que traçará o caminho da Independência.
No romance de Eduardo
Acevedo Díaz esse gaúcho será Ismael, personagem-título.
Além de encarnar toda a
idiossincrasia daquele que, na época, era chamado de gaúcho malo, gaucho
bravio, matrero; além da beleza e da juventude, Ismael faz parte do
contingente que luta contra o espanhol.
O vilão do romance é Jorge
Almagro, espanhol de Aragão, feio, repelente, mau, fiel às tropas do rei.
Ambos pretendem Felisa.
Ismael, espontanea-mente atraído por ela, por ela é procurado. Jorge Almagro,
mais interessado nas propriedades que Felisa irá herdar, por ela é sempre
repudiado.
E chega a hora em que eles
se enfrentam. Ismael para se defender fere o adversário deixando-o quase sem
vida. Deve fugir e passar a ter vida de matreiro, isto é, sempre escondido e em
fuga.
Recuperado dos ferimentos,
Jorge Almagro, num ato de violência, mata Felisa, incapaz de se controlar
diante de seu desprezo. E se torna alvo da vingança de Ismael.
O encontro entre os dois
acontece em meio a uma ação militar em que se defrontam tupamaros (os que já
haviam nascido no Continente e se sentiam donos da terra) e os godos ( assim, pejorativamente,
eram chamados os espanhóis), os usurpadores.
Ismael, incorporado às
tropas de Artigas, antes de mais nada, procura seu desafeto e o vislumbra no
campo inimigo. Desprezando perigos, se lança em sua perseguição e o laça como a
uma rês, arrastando-o pelo chão. Jorge Almagro procura se defender mas morre
num sofrimento semelhante ao que dera à indefesa Felisa que, perseguida por
ele, caíra do cavalo e presa do estribo era puxada pelo campo quando recebeu o
golpe da boleadeira atirada com o fito de impedir a correria do animal.
Quando, finalmente, Jorge
Almagro consegue fazê-lo parar, ela tinha as roupas destroçadas, o rosto estava todo cheio de manchas de cor violeta, o crâneo afundado pelo
golpe da boleadeira, os olhos cobertos de terra, semi-cerrados e fixos, o nariz quebrado pelos coices e o peito
sem latidos.
Preso ao laço de Ismael que
numa desenfreada corrida cruza o campo de batalha, o corpo de Jorge Almagro, sacudido em infernal agonia, machucado nas
pedras do terreno, feito uma bola sangrenta passou rolando sobre os despojos do
combate e por fim já não era mais do que um monte repugnante de carnes e de
ossos.
Num tempo em que um fim
único dominava os partidários da libertação do país e em que os dominadores se
acreditavam impunes, Ismael e Jorge Almagro mataram em nome das próprias
paixões: Almagro por querer impor sua injusta vontade; Ismael para desafogar o
sofrimento que a morte de Felisa lhe causara.
Felisa fora punida por não
se submeter à prepotente vontade masculina; Almagro, pelo crime que se
permitira cometer.
Ambas as mortes se diluem
entre as milhares de outras, igualmente violentas que então aconteciam nas
lutas pela Independência do Uruguai.
Mas, se a morte de Felisa,
originada da covardia e da maldade a situa como vítima a lamentar, a morte de
Jorge Almagro, embora semelhante, só enaltece aquele que a praticou.
Ismael não fugiu aos códigos
vigentes entre os gaúchos bravios ao matar o godo, o invasor, e, ainda, sem
ter disso clara consciência, está, também, a ajudar o nascimento da pátria
nova
Ismael
foi publicado em 1888 quando o Uruguai segundo o seu autor, mergulhado em
profunda crise, precisava ter heróis.
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