domingo, 25 de julho de 1993

Sinal dos tempos

          Em 1849, o jornal O americano, do Rio de Janeiro publicava, em folhetim, O corsário.
          Mal havia terminado a Revolução Farroupilha e é em fatos a ela relacionados que se situa a trama desse romance, considerado o primeiro romance histórico brasileiro.
          Contrariamente a José Marmol que no seu romance Amalia faz uma verdadeira diatribe contra Rosas, ou a Almeida Garrett que, no dizer do professor Guilhermino Cesar, deixa filtrar nos seus textos uma calorosa simpatia pelos movimentos liberais dos anos 20, Caldre Fião, também no dizer de Guilhermino Cesar, não louvou, não exaltou feitos, pessoas do Movimento que foi tido, por ele, como uma fatalidade histórica.
          Se guardou um distanciamento em relação a suas convicções políticas ao escrever seus romances - foi um obstinado defensor da abolição - como ficcionista Caldre Fião não se eximiu de fixar esse desacordo que inevitavelmente marca os conflitos humanos e que oscila sempre entre a busca de bens materiais e a realização de um ideal.E um dos diálogos do livro é então exemplar.
          Encontram-se Bento Gonçalves e um personagem ficcional, Matias, um velho comerciante, enriquecido no contrabando e em negócios ilícitos.    Bento Gonçalves lhe propõe realizar uma tarefa determinada, pois assim estaria prestando um serviço relevante ao nosso país. E lhe responde Matias, perguntando: -Mas aqui para nós, quais são os lucros que daí nos advém?
          A contestação é um entusiasmado falar de ideais de liberdade para um povo oprimido que provoca resposta muito chã em relação a uma vida passageira, a incerteza sobre o além, à convicção da necessidade de trabalhar no presente para amealhar o cabedal que deverá deixar aos filhos.
          Se o que diz é considerado por Bento Gonçalves como um pouco burlesco, significa, no entanto, a reafirmação do que um pouco antes pensara, admirado diante do altruismo do capitão José Gomes: Sacrifícios em prol da humanidade, um amor tão devotado pela terra que o viu nascer eram, para ele, idéias novas, inteiramente novas. A fraude, o amor ao dinheiro, lhe pareciam até aí, cousas próprias de um pai de família...
          E na busca de riquezas, Matias atua sem pensar nos meios de que se serve.
          Mas, romancista do século XIX, Caldre Fião não somente sensibiliza o seu leitor com uma história cheia de amor, sofrimento e lágrimas, como insere nessa história elementos moralizantes submissos à ética tradicional cristã.
          Assim, no seu romance, se os maus não são castigados pelos seus desafetos, eles não escapam à justiça divina.
          Matias, que buscava a riqueza a qualquer preço, acaba por tudo perder, reconhecendo os seus erros e aceitando a vontade de Deus. A felicidade chega para aqueles que trilharam o caminho do bem.
          Evidentemente, Caldre e Fião, que viveu entre 1821 e 1876, é um autor do século passado...

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