Um dos grandes nomes da
Literatura venezuelana de hoje, Salvador Garmendia, publicou em 1974 aquele que
foi, então, considerado o seu mais brilhante romance: Memorias de Altagracia. Romance feito de histórias justapostas,
como que independentes entre si e tendo, todas, como cenário Altagracia, uma
pequena cidade interiorana, capital da província
É nesse espaço que aparece
uma verdadeira galeria de personagens, todos mais ou menos estranhos,
mostrando-se, por vezes, irreais ao olhar curioso de um menino.
Transformando-se de acordo
com o tempo - o calor de julho, o frio que chega em agosto, os chuvisqueiros,
os dias bruscos, os claros dias de abril, as chuvas fortes - ruas e casas e
muito da imaginação infantil do narrador são o cenário onde se movem, quase
sempre, fugindo às convenções, o tio, o aviador inglês, o castrador de bodes, o
andarilho, o coronel.
O relato que lhe diz
respeito é antecedido de um texto cuja autoria não pertence à voz infantil
dominante até então, mas à outra que diz ser a hora de molhar a pena nas risonhas tintas da crônica, para narrar os
acontecimentos felizes que aconteceram há poucos dias.
No entanto, a crônica desses acontecimentos felizes não se apresenta tão risonha
quanto o prometido, pois as figuras que o povoam são todas, de uma ou outra
maneira, degradadas e os sucessos narrados perfeitamente risíveis se
considerados apenas uma realidade ficcional.
Mas, sem dúvida, é de ficção
que se trata: a tropa comandada por um general que de tão decrépito deve ser
amarrado ao cavalo para não cair e cuja presença é imprescindível para conferir
seriedade às ações militares por acontecer. Tropa formada para combater
subversivos revolucio-nários, não os encontrando após os dias de marcha, havia,
assim mesmo, sob as ordens do general, livrado a grande batalha final cuja
estrondosa vitória foi amplamente divulgada. Lida e colada por toda parte e até
sabida de cor por alguns e, posta em música, cantada por outros: O facínora Venancio Contreras foi
aniquilado! Depois de quatro horas de sangrenta batalha, as guerrilhas
facciosas, dizimadas e desmoralizadas não obstante a sua superioridade
numérica, fugiam em debandada, abandonando no campo de batalha 320 mortos, 862
feridos, duas peças de artilharia, 600 fuzis. Asseguram dessa maneira aos exércitos da república a vitória absoluta e
definitiva sobre os insensatos e criminais empenhos daqueles que se insurgiram
temerariamente contra o bem-estar da pátria.
Para concluir, um belo
desfile cívico cheio de brilho e música e entusiasmo patriótico. Também, uma
data para festejar nos anos vindouros.
No burlesco que domina toda
essa crônica que se queria risonha, nos tipos caricaturais e nas situações
aparentemente fantasiosas há, sem dúvida, a mesma clara intenção que animou
outros ficcionistas do Continente.
No romance de Salvador
Garmendia é um texto que se insere, como o abrir de um parênteses, no insólito
mundo infantil recriado. Como que sem intenção. Como que inocentemente.
Nenhum comentário:
Postar um comentário