domingo, 22 de agosto de 1993

Pelos caminhos do Continente 1

          William Henry Hudson nasceu na Argentina e escolheu a Inglaterra para morar. Foi em Londres que escreveu e onde, em 1885, conseguiu publicar La tierra purpurea com o curioso título The purple land that England lost. Travels and adventures in the Banda Oriental. South America. Antes de ser traduzido em 1928 para o espanhol e publicado em Madrid, teve uma edição francesa e várias edições nos Estados Unidos. Novamente traduzido para o espanhol foi publicado em Buenos Aires e Caracas e, em 1992, pelas Ediciones de la Banda Oriental sob a rubrica do Instituto Nacional del Libro de Montevideu.
          Para Martínez Estrada, crítico argentino, citado por Ruben Cotelo que prefacia essa última edição de La tierra purpurea, o livro é uma argumentação em prol de formas primitivas e quase selvagens contra uma civilização que acredita ter elucidado todos os problemas pelo simples fato de haver vencido, sem consciência do mal que, por sua vez, ocasionava à natureza.
          O autor do relato é Richard Lamb, jovem inglês que, para se casar com a mulher amada deve tirá-la da casa de seus pais, em Buenos Aires, e fugir para Montevidéu.
          Era para os uruguaios, o desastroso ano de 1860 em que o país se degladiava em sangrentas lutas internas. Richard Lamb busca trabalho numa cidade que vive à espera de novas lutas. Na esperança de encontrar meios de sobreviver, com uma carta de apresentação ao capataz de uma distante propriedade rural, ele atravessa o país a cavalo.
          São os sucessos dessa viagem que ele, então, narra, descrevendo fazendas, tipos humanos e paisagens. Um universo primitivo.
          As plantas aí crescem sem cultivo e o estudioso naturalista que era William Henry Hudson irrompe no relato do seu personagem, entusiasmado diante da exuberância de um pomar cheio de pessegueiros, cerejeiras, ameixeiras cujo terreno era tomado pelas mais variadas flores: a alta malva rosa, as alegres amapolas, o inesquecível cravo, luzindo-se tão brilhante e aveludado como sempre.
          Casas toscas, rudes, desprovidas de tudo, abrigando a família, os empregados e os visitantes quase sempre na cozinha. Nelas, vivendo os mais diversos tipos que se tornam idênticos, porém, nessa obediência à lei sagrada que impera nesse país sem leis: a da hospitalidade.E, recebido pela gente do país, Richard Lamb muitas vezes com ela se identifica, desejando ter nascido entre eles, ser um deles em lugar de um inglês cansado e vagabundo que carrega o peso das armas e das armaduras da civilização, cambaleando como Atlas, levando sobre os ombros o peso de um reino sobre o qual o sol nunca se põe.
          E, ainda quando relata a crueza das lutas entre as diversas facções que assolavam o país com seus ideais ou com suas ambições ou quando menciona um gesto menos leal, suas palavras continuam construindo uma imagem elogiosa. O que não impede que, possa se constituir, também, um documento sobre a História que fez o país e sobre esse cotidiano igualmente tão importante e sempre tão ignorado.Um documento que descreve, interpreta ou inventa com inegável riqueza de expressão romântica mas que não se descuida, no entanto, de permanecer fiel à realidade na qual se inspira.
          Nas suas entrelinhas, cabe o Continente.

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