domingo, 15 de agosto de 1993

Ulisses criolo

          Paródia campeira do regresso de Ulisses, assim definiu Sérgio Faraco a história de Ranulfo González.
          Deixado por morto num dos muitos combates do Continente, quando o inimigo se retirou, arrastando-se, ele chegou até as terras de um espanhol que, sabiamente, em brigas de galo e de uruguaios, se conservava neutro.E, então, o tratou, o curou e lhe deu trabalho para que pudesse comprar outro cavalo pois o seu, os vencedores da refrega haviam levado.
          Dois anos depois, Ranulfo González cavalga de volta para casa onde deixara mulher e dois filhos.
          Antes, porém, de chegar ao casario, perto da sanga, a boa estrela que o vinha acompanhando faz com que se encontre com a sogra que lavava roupa. Por ela sabe que tido por morto, outro homem já ocupara o seu lugar.
          Com cuidado, ele desencilha o cavalo, lava-lhe o lombo e o maneia com folga. E diz que a mulher deveria escolher entre os dois homens e que iria acampar ali mesmo para lhe dar tempo. Esperaria pela resposta na manhã do dia seguinte.
          Mario Arregui, o contista uruguaio o chama de Ulisses - o regresso de um combatente de guerra perdida - e chama de Penélope sua mulher que ao acreditá-lo morto, prontamente o substitui. Uma recriação que, no Continente, se enriquece por um sábio, ingênuo e espontâneo adaptar-se à vida.
          Os personagens de “O regresso de Ranulfo González” não se amesquinham diante da vida e de seus senões, como, em geral, sucede com os personagens dos outros contos de A cidade silenciosa do qual ele faz parte.
          Na melancolia de mundos sem perspectivas ou que estão a se acabar que prevalece na coletânea, irrompe esse amor pela vida que faz com que, pacientemente, Ranulfo González recuse a morte e recupere a mulher já nos braços de outro.
          Porque no dia seguinte chega-lhe a resposta: A Felipa te espera. Como sem se surpreender, ele ainda tomou uns mates, encilhou lentamente o tordilho e regressou ao rancho como se dele tivesse saído naquela mesma manhã. E tudo voltou a ser como era antes da guerra.
          Mas fora nela que Ranulfo González escapara de ser degolado e por horas ficara entre os mortos. E quando lhe haviam roubado as roupas e o cavalo. Em troca, ficara com uma bala alojada no corpo que o incomodava bastante, mas que, também, servia para anunciar chuvas e tempestades.
          Enquanto isso, um daqueles acordos de cavalheiros que nunca são cumpridos havia dado à guerra um ponto final, que não valia mais do que um ponto e vírgula.

A cidade silenciosa foi traduzida por Sérgio Faraco e publicada pela Movimento de Porto Alegre, em 1985.

Nenhum comentário:

Postar um comentário