Em 1975, exilado na
Argentina, Eduardo Galeano publicava pela Sudamericana de Buenos Aires, La canción de nosotros.
Romance ou o que quer que seja,
diz o autor. Mas, certamente, um documento sobre o que, então, acontecia no seu
país que vivia nesses anos um período de repressão típico do Continente.
Os 39 capítulos que o
compõem são encabeçados pelo respectivo número e apenas no índice recebem os títulos
que, intercalados, se repetem: “A cidade”,”O regresso”, “Andanças de Ganapán”,
“A máquina”, “O Santo Ofício da Inquisição”. Como se fossem textos
independentes para falar dessa cidade de Montevidéu aparentemente submissa à
miséria e ao medo, da teimosa volta de um perseguido político, das atribulações
de Ganapán para conseguir sobreviver, da tortura institucionalizada e daquela
que também era vigente nas colônias da América.
Os capítulos 12, 16, 19, 21,
23, 24, 30, 31 se agrupam sob o título “ A máquina”, isto é, a organização do
terror que engloba perseguições, caçadas, prisão, tortura, assassinatos. Um
mundo feito de delações, de atos desprezíveis e heróicos, de absurdas
crueldades mas, ainda habitado por homens que acreditam em sentimentos e princípios.
O capítulo 19 registra a
degradação física de Fierro num sofrimento e numa luta pela conservação da
lucidez e da dignidade que parecem verdadeiramente ficcionais. Um texto que não
recua diante do horror de uma sessão de tortura. O recuo que existirá para
dizer da morte.
O capítulo 23 é relatado no
tempo presente, o presente do personagem quando a dor já atingiu o limite do
suportável físico e moral, levando a vítima a optar pelo suicídio.
O narrador todo-poderoso, no
entanto, se antepõe ao que irá acontecer e informa: Ainda não sabia que eles não o iam deixar escolher. Ainda não lhe
tinham arrebentado o fígado, no fim de várias semanas de não poder lhe arrancar
nem uma única palavra da boca. Ainda não o tinham jogado morto no mato, perto
de um povoado qualquer. E não sabia e não iria saber nunca que em algum lugar
havia uma carta para ele.
Segue-se a transcrição da
carta. Uma carta de mulher. Simples, coloquial de um lirismo que o saber que
suas palavras amorosas jamais chegarão ao destinatário torna mais tocante.
Sobretudo, porque já nas primeiras linhas do capítulo seguinte aparece o
cadáver entre ramos de plantas espinhosas num terreno baldio.
Por não delatar havia sido
morto e jogado como lixo, sem direito à sepultura. Entre o momento em que
desejou a morte para se livrar dos suplícios e não fraquejar entregando os
companheiros e aquele em que seu cadáver foi encontrado pelo desconhecido que o
enterra, medeia uma zona de sombras.
Registrado fora o seu
sofrimento: punição por se opor ao Sistema. Sobre sua morte imperou o silêncio.
O nascimento e a morte não tem importância - ele diria - o que importa
é o que está no meio e ele não podia permitir que no meio estivesse a traição.
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