domingo, 16 de maio de 1993

O rio

          Ele foi autor de teatro e de ensaios. Escreveu roteiros de cinema, romances e contos. Porque disseram que era rebelde e agitador, antes de seus quinze anos, foi para um reformatório, depois preso em Islas Marias e preso outras tantas vezes. E, com apenas vinte e nove anos recebia o Prêmio Nacional de Literatura: José Revueltas, nascido no México em 1914.

          Seu primeiro romance, Los muros de agua, fruto de sua experiência na prisão, foi publicado em 1941. Seguiram-se muitos outros e entre eles dois livros de contos, Dios en la tierra e Dormir en tierra.

          Dormir en tierra foi publicado em 1960. É formado por oito relatos dos quais o último dá título ao livro. Conta sobre dois mundos que se entrelaçam: o imóvel mundo do povoado e o que, vindo das águas, lhe dá parca e efêmera vida. Elo vagaroso e pesado, o rio Coatzacoalcos. Paralelo a seu curso, as miseráveis ruelas. Perto do cais, as tavernas e os prostíbulos quietos sob o sol, o calor paralisando pessoas e animais. Então, só os olhos das prostitutas se estendiam para o rio, olhando o rebocador que manobrava, a espera da tripulação que desceria à terra.

          Para uma delas, no entanto, a chegada do barco significava menos o desejo de ganho do que a esperança de afastar, do povoado e de sua vida, o filho que não podia cuidar.
          O drama se instala na beira do cais e no velho barco. O menino espera, imóvel, que o levem para longe da miséria e da vergonha; o contra mestre luta para permanecer surdo ao desesperado apelo do olhar infantil.
          Em terra, a pobreza e a humilhação da prostituta; no barco, o sofrimento e a injustiça de que são vítimas os tripulantes.
          José Revueltas, militante de esquerda desde muito jovem, como ficcionista, optou por um realismo dialético - assim ele o define - que, sem o afastar de suas convicções políticas, lhe permite uma criação que tampouco renuncia a suas buscas estéticas.
          Uma ficção, diz o professor norte-americano Johan S. Brushwood ao escrever sobre a história do romance no México, que se funda mais na condição do homem do que num protesto político ou social.
          Sem dúvida, no conto “Dormir en tierra”, é extremamente doloroso esse universo de pobreza em que se detém a narrativa. No entanto, não embota o drama individual da prostituta que deve afastar o filho e o drama do contramestre que não deve, por sua vez, permiti-lo a bordo, embora não fique dúvida que a origem do dilema esteja na defeituosa estrutura social a que tanto um como outro pertencem como elementos menos favorecidos.
          E, se vivem, profundamente, o sofrimento é porque assim é a realidade do Continente. Dela é que José Revueltas alimenta uma ficção que, certamente, não foi escrita dentro de uma campânula de vidro mas é fruto dessa responsabilidade em relação ao próprio universo que - seja como militante da esquerda revolucionária, ideólogo do marxismo ou ficcionista - ele acredita imprescindível para servir a seu povo.
          O que não o fará abdicar de se deter generosamente, apaixonadamente, profundamente, nos meandros e abismos da alma humana.

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