domingo, 2 de maio de 1993

Uma farpa apenas


     Em epígrafe, palavras de Simone Weil anulando-se diante da perfeição das coisas. Depois, numerados, oitenta e cinco poemas de Maria Elisa Carpi.

     
São poemas de alguém que se contempla. Voz que não interroga ou se interroga mas decreta verdades que, sem dúvida, são lapidarmente verdadeiras. Enoveladas em significados que se prendem aos destinos do Homem, mas que estão libertas de rotas já traçadas.

    
Uma verdade amadurecida pela mulher que, ultrapassando o momento egocêntrico das descobertas, percebe um sentido inusual no encontro com o homem e para o ato de parir. E, madura, pode mensurar e aceitar uma entrega que sabe imperfeita, como sabe, também, que ela é um ser que sempre estará livre, em busca do “mar alto”.
 
      Nesse livro que acaba de publicar, Vidência e acaso (Movimento, Porto Alegre, 1992), Maria Elisa Carpi mergulha no mistério que rege o caminhar dos homens e se encarcera na dialética que o título da obra define. Como que ignora a reles condição do cotidiano, embora dele não esteja a salvo.
E no poema cinco há uma inesperada assunção do mundo dos homens, moldados na rigidez das castas. São versos do nós, exceção em poemas feitos de metáforas e de signos, que surge ligada ao que, inegavelmente, reina num grupo social incapaz de conhecer a própria alienação. As palavras que o constroem são plenas de uma contundente ironia, expressa, já no primeiro verso: Ai que seria de nós sem os pobres. Depois, aflorando, a distorção dos excessos - e as roupas e a comida – a  sintetizar o pensamento dessa conhecida velha classe social para  finalizá-lo, na repetição do primeiro verso: Ave dentro da moita, água dentro / da pedra, coração dentro dos ossos, / ai que seria de nós sem os pobres! 
     
 
      Uma insistência que dirime qualquer dúvida sobre a intenção do poema que, em meio aos demais sempre voltados para o âmago das coisas, é um lampejo insinuado de outro olhar. Aquele que traz a farpa de uma crítica e, nela, a certeza de que Maria Elisa Carpi está atenta a seu tempo e a seu espaço.

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