Essa figura do ditador latino-americano
tem resultado extremamente atrativa para o ficcionista do Continente. Com
intervalo de uns poucos meses, entre 1974 e 1975 foram publicados Yo el supremo, El otoño del patriarca e Recurso
del método. Próximos no tempo embora criados em espaços distantes entre si
Paraguai, Colômbia e Cuba eles possuem em comum, além do tema, esse tom de
burla que, sem dúvida, é perfeitamente adequado a qualquer ditador e, em
especial, ao ditador latino-americano.

Primer Magistrado, criação
de Alejo Carpentier, é um dos “tiranos ilustrados”, cheios de apego pela
cultura francesa (em época mais recente, atraídos pelas consideradas maravilhas
do hemisfério norte) que, no dizer do autor de Recurso del método é igual a muitos que tanto mais inverossímeis parecem quanto mais se ajustam a uma rigorosa verdade.
Num país, um espaço possível
em qualquer parte do Continente, o Primer Magistrado é um homem implacável que
não hesita em condenar à morte seus adversários políticos e que presencia, sem
emoções, o massacre de seus cidadãos quando se trata de sufocar revoltas. Nesse
país de medrosos analfabetos, ele manipula as eleições, paga jornalistas
estrangeiros para fazerem um retrato ideal do país que governa, festeja seus
“êxitos governamentais” com suntuosas festas, comanda uma coleta de dinheiro
para ajudar as cidades francesas destruídas pela guerra cuja arrecadação nunca
chegará a seu destino, bebe abundantemente às escondidas, alardeando em público
seu feitio abstêmio e de tudo o que acontece no país tem controle através de
seus homens do Escutar e do Olhar.
Todas as manhãs, ouve de
seus agentes, algumas vezes, embrabecendo, outras vezes se divertindo os
inconfessados negócios que às suas costas fazem os amigos: o negócio da ponte construída sobre um rio ignorado pelos mapas; o
negócio da Biblioteca Municipal sem livros; o negócio das sementeiras normandas
que nunca atravessaram o oceano; o negócio dos brinquedos e dos alfabetos para jardim de infância que não existiam;
e um interminável rol de outros mais escusos.
E ele, Primer Magistrado que não era - nem havia sido nunca - homem de negócios pequenos possuía
aquelas Empresas fora da Lei que sob múltipla
identidade de siglas, consórcios, razões comerciais, sociedades sempre anônimas jamais sofriam perdas nem
danos.
Porque seu poder espúrio,
obtido pelo voto de um povo mantido na ignorância, incapaz de discernir seus
enganos e mentiras como seu total desprezo por esse mesmo povo que ele governa
são imensos.
O Primer Magistrado desse
país Continente é nele Senhor de Pães e
de Peixes, Patriarca das Messes e Rebanhos, Senhor dos Gelos e Senhor dos
Mananciais, Senhor do Fluido e Senhor da Roda da Fortuna.
Um dia, puseram uma bomba no
seu palácio de Ditador. Explodiu perto dele sem molestá-lo. Só morreu mais
tarde, quando uma das Revoluções o fez fugir para Paris. Morto, teve a seu lado
uma vela acesa e uma irmã de caridade para rezar.
Corriam os primeiros anos deste século.
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