domingo, 9 de agosto de 1992

Fronteiras intransponíveis


Em 1933, Carlos Droguett publicava em Santiago do Chile, seu primeiro conto, “El señor Videla”. Sucederam-se os artigos de jornal, contos, peças de teatro, romances. Muitos deles, premiados no seu país e na Espanha. Outros tantos, traduzidos, especialmente na França onde o crítico e escritor Francis de Miomandre, entusiasta das letras hispânicas, já em 1952, comentava e traduzia alguns de seus textos.

Em 1977, a Maspero de Paris publicou Eloy, o romance de Carlos Droguett mais conhecido e traduzido, na coleção Voix (vozes oprimidas e dissonantes) e, em 1981, a Denoël publicou Patas de perro cuja tradução, belíssima e impecável, foi feita por Jean-Marc Pelorson, professor da Universidade de Poitiers.

E, é nessa Universidade, ao abrigar um dos mais atuantes Centros de pesquisa sobre a América Latina da França, que estão surgindo, hoje, importantes trabalhos sobre a obra do escritor chileno. 
Além dos sérios estudos sobre o texto droguetiano, sem dúvida um universo inesgotável pela sua riqueza e profundidade, esses trabalhos se constituem um valioso material de consulta na medida em que fornecem informações que muitas vezes não são de fácil acesso e que passam, então, a formar uma base imprescindível para novos trabalhos. Sobretudo no que diz respeito à bibliografia porque as dimensões do Continente e, ainda mais, a precariedade de suas Instituições culturais impedem, quase sempre, não apenas o acesso ao material bibliográfico necessário, como às informações precisas sobre a sua existência.

Assim, a tese de Regine Gay, “Le mythe de Christ dans l’oeuvre de Carlos Droguett”, elaborada sob a orientação do professor Alain Sicard, um dos mais reputados estudiosos da Literatura latino-americana na França. É’ um estudo amplo, que abrange diferentes aspectos da obra do romancista chileno (os vários elementos míticos, os símbolos e os ritos e sua correspondência com o gênero apocalíptico, a escrita, o espaço, o tempo e a história do mito) e que se detém na figura de Cristo. Na ficção do romancista chileno, figura fascinante que a autora estuda a partir de determinada trajetória: do Deus bíblico ao Cristo do Evangelho para então relacionar Cristo com o homem do Continente: o que está mergulhado no medo, no silêncio, na marginalização, no sofrimento físico e moral.

Além de se deter e exemplificar abundantemente aspectos do estilo de Carlos Droguett, a tese de Regine Gay se torna valiosa ao relacionar grande parte dos artigos de Carlos Droguett espalhados pelos jornais do Chile e um grande número de trabalhos escritos sobre ele no período compreendido entre 1938 e 1978. São informações imprescindíveis para os que desejam estudar a obra do escritor chileno mas, também de grande utilidade para os que desejam se aprofundar na Literatura latino-americana contemporânea. E, que deixam bem claro que efetuar tais estudos é tarefa para os privilegiados ou para os que podem usufruir dos privilégios do Primeiro Mundo cujas tradições e recursos financeiros, aplicados nas áreas humanísticas, permitem não somente possuir o material bibliográfico necessário mas os meios para colocá-lo à disposição dos pesquisadores.

Porque, tanto quanto o aspecto técnico-científico, o aspecto cultural - mercê da falta de informações e da ausência de material bibliográfico sobre os demais países, América Latina inclusive, - deixa evidente que as fronteiras que separam o Primeiro Mundo dos demais continuam intransponíveis.

Nenhum comentário:

Postar um comentário