domingo, 6 de setembro de 1992

O bem-amado


tinha perdido a fala de tanto falar e colocara ventríloquos atrás das cortinas para fingir que falava.
 
          Ele dizia que o problema do país estava no tempo de sobra que as pessoas tinham e usavam para pensar. Para lhes dar o que fazer instituiu os jogos florais e os concursos das rainhas da beleza. Acreditava-se dono do Poder e como tal agia até que seu mais útil e fiel colaborador, às portas da morte, pode lhe dizer as verdades que ninguém, jamais, usaria pronunciar: que o senhor não é Presidente de ninguém, nem está no trono por seus méritos mas porque aí o sentaram os ingleses e o sustentaram os gringos [...] e eu o vi cochichando de medo de lá para cá e de cá para lá quando os gringos lhe gritaram que aí te deixamos com o teu bordel de negros para ver como te arranjas sem nós e a partir de então não se desmontou da cadeira não porque não queria mas porque não pode porque sabe que na hora em que for visto pela rua vestido de mortal vão lhe cair em cima como cães [...].
          Mas, o Presidente não era homem de escutar verdades e continuou nos seus mandos e desmandos como soe acontecer, quase sempre, nos países do Continente.Por decreto, ele canoniza sua mãe, restabelece a rinha de galos e muda o dia dos feriados.
         
        Num país do Caribe, refúgio de Presidentes e Ditadores que perderam o poder, mundo barroco de cores e perfumes e luzes, o Presidente acredita que a pátria é ele e que a sua presença é, verdadeiramente, insubstituível.
 
          El otoño del patriarca foi publicado em  1975.  
          Na galeria dos déspotas do Continente, esse filho de Bendición Alvarado, como criação de Gabriel García Márquez, é uma figura hiperbólica. O seu ridículo, a sua ignorância, a sua inconsciência e a sua maldade possuem as dimensões do Continente.
 
          Como as próprias ambigüidades que tornam possível coexistir a pompa de seu palácio cheio de luxos duvidosos de suposta inspiração européia com seu modo rústico de vida e a ignorância em que deixou mergulhado seu povo nesses anos todos em que impôs, usando de todos os subterfúgios e estratagemas, a sua presença.  
        

         
           E de tal modo se convencera de que era amado por aqueles que acreditava governar que não conseguira perceber a revolta que se fora armazenando.

 
          Numa tarde de dezembro, passando incógnito em carro fechado pela cidade, viu no céu os balões coloridos. Balões vermelhos e verdes e amarelos e azuis que se abriram para deixar voar sobre a cidade milhares de folhetos.

E o povo todo, mesmo os sentinelas do palácio, repetiam: todos sem diferença de classe contra o despotismo de séculos, a reconciliação patriótica contra a corrupção e a arrogância [...].

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