O seu grande amigo morria
envenenado e o Governante, admiravelmente fiel a esse que acreditara sincero,
lhe assiste os últimos momentos. Morto, veste-o com as roupas que ele,
Governante, costumava usar e o deixa nos aposentos oficiais para que assim o
encontrem no dia seguinte. Com esse engodo, se despoja do Poder e reduzindo-se
à escala dos mortais comuns, pode, então, presenciar o que acontece no Palácio:
primeiramente, a demora em anunciar o fato à nação para dar tempo de se
efetuarem os acordos secretos dos herdeiros do regime; depois, o velório, o
morto no caixão, com todas as medalhas que se acreditara merecedor e o cortejo
desfilando ao redor do cadáver. E, repentinamente, explodir o ódio popular.

Sem o imprescindível aparato
do Poder, o Governante, misturado aos demais, passa despercebido e presencia o
destino que o povo dá a seus “despojos” e ao Palácio. Vê os grupos de assalto se
meterem pelas janelas diante da complacência calada da guarda, vê as cabeças ferozes que dispersavam a pauladas o
cortejo[...] e os oito homens que retiraram o morto do caixão e o
arrastaram escadas abaixo e pelas ruas onde se levantavam fogueiras alimentadas
com seus retratos oficiais que desde o começo de seu governo, haviam sido
espalhado por toda parte.
Mas, depois que se calou o
júbilo dos sinos por sua pretensa morte, o Governante, ignorando a vontade de
seu povo, não abandonou o Poder. Somente fará isso muito depois, quando morre,
já senil e alheio aos clamores das
multidões frenéticas que se lançavam nas ruas cantando os hinos de júbilo da
notícia jubilosa de sua morte e alheio para sempre jamais às músicas de
liberação e aos foguetes de alegria e às badaladas de gloria que anunciaram ao
mundo a boa nova de que o tempo incontável da eternidade tinha, por fim,
terminado.
Na América das ditaduras ou
das pseudo-democracias, a história desse ditador (com as possíveis variantes,
igual a de tantos outros) se nutre de injustiças, crueldades, desprezo absoluto
pelos que o rodeiam.Mas, ele é tão simplório e reles e tão simplórios e reles
são os seus atos que para aproximar-se deles parece que só cabe o riso. Embora
amargo para os homens do Continente.
Em El otoño del patriarca (Barcelona, Plaza y Janes, 1975), Gabriel
García Márquez não lhe poupou as zombarias e ninguém ignora o quanto elas podem
ser pertinentes.
Nenhum comentário:
Postar um comentário