Julián Murguía é um
engenheiro agrônomo, escritor de contos que já foram publicados no México,
Espanha, Argentina e no Brasil onde morou como exilado político.
Traduzido por Sérgio Faraco,
acaba de aparecer, em Porto Alegre, pela Mercado Aberto, Contos do país dos gaúchos, Prêmio Nacional de Literatura
Infanto-Juvenil do Ministério de Educação e Cultura do Uruguai.
São quinze pequenos “contos
e estampas”, lembranças da infância do autor uruguaio da cidade de Melo, perto
da fronteira com o Brasil. Relatos e descrições ingênuas - e as ilustrações de
Yamandú Tabárez estão em perfeito acorde com os textos - presos a um mundo que
já desapareceu, vencido pelas transformações e que o autor deseja recuperar
pela palavra.
E, pelos olhos desse menino
que ele foi, Julián Murguía refaz paisagens e tipos humanos desse extremo sul
do Continente, cujo encanto reside, sobretudo, na singeleza espontânea que
deles emana.
A paisagem é o campo aberto,
espraiado entre sangas e coxilhas,
rodeado de azul-celeste, o campo era a cor, calor e canto. Viver feliz sem
tempo, isso era o campo.
Os tipos, o homem simples
que o povoa: o velho Santos, domador de rosto
indiático, curtido por mil sóis,
vivendo sozinho num rancho que era quase tapera onde os animais de estimação
eram um lagarto e uma pequena mulita; Don Miguel, o basco que deste lado do mar
se tornou carreteiro e cruzava os campos com as carretas carregadas de mercadorias
e de lã e couros; Ugarte, o contrabandista, indo e vindo, levando e trazendo
erva-mate, fumo, cachaça, açúcar, feijão. E o Pelado, negrinho de olhos redondos e brilhantes, companheiro de
brincadeiras. Luminoso pequeno personagem que, embora só tendo um “peso” para
gastar na festa do povoado, ainda consegue levar de presente para o amigo um
pastel e o retrato que tirou e no qual nem pode dar a dedicatória que deseja - para o meu melhor amigo porque não sabe escrever. Ele faz parte desses
deserdados do campo, desses esquecidos sem direitos porque - e assim o diz
Julián Murguía - a lei sempre foi feita só para o dono das terras.
Em Contos do país dos gaúchos os deserdados aparecem no relato “O
rancherio”, mundo dos ranchos corcundas e
mal feitos. Pequenos. Temporários. Envelhecendo
ali como de passagem e que de enfeite somente tinham, pendurados sob os
beirais, latas de óleo de cozinha plantados de jasmins e de gerânios. Deles gotejavam piás de cor terrosa, vestidos
com roupas grandes demais ou demasiado pequenas. Filhos dos “quileiros” que
atravessam a fronteira a pé para o contrabando de um quilo de açúcar ou de
erva-mate ou de feijão, arriscando-se a uma cadeia ou a perder aquilo que levam
que nada mais é do que um pouco de comida para a família.
Sombras melancólicas que se
insinuam nesse mundo de luz e de verão que, embora esmaecidas pelo tempo e pelo
desprevenido olhar infantil, são mais um dos testemunhos da pobreza do
Continente.
Nenhum comentário:
Postar um comentário