Em maio de 1980, a Sorbonne
organizou um Colóquio sobre o conto latino-americano. Durante o dia eram
apresentados e discutidos os trabalhos e à noite acontecia uma sessão muito
especial: os escritores liam seus contos. Então, diante de um auditório
repleto, muitos deles, que a ditadura havia banido de seus países, elevavam a
voz para expressar, na Velha Europa, o seu Continente.
Entre esses, Eduardo
Galeano. Exilado na Espanha e vivendo dos direitos autorais de seus livros,
traduzidos para vários idiomas, o escritor uruguaio, então com quarenta anos,
era, sobretudo, o autor de As veias
abertas da América Latina, embora já tivesse publicado um belíssimo romance,
A canção de nossa gente, um livro de
contos, Vagamundo e Dias e noites de amor e de guerra, relatos de experiências e vivências
profundamente entrelaçadas com o cotidiano de seu país e dos outros por onde
andou.
Nesses dias de exílio, ele
escrevia, Memórias del fuego breves
textos que, à semelhança de pequenas peças, assim o explicava, formariam, num
grande mosaico, a História da América.
Três desses textos foram
lidos no anfiteatro da Sorbonne: “El
amor”, “La Selva”, “Los colores”. E
dois anos depois, em 1982, apareceria, na Espanha, pela Siglo XXI, Los nacimientos, primeiro dos três
volumes que comporiam Memoria del fuego.
Los nacimientos está dividido em duas partes: “Primeras voces” e “Viejo Nuevo Mundo”. O nascimento da América - desde a
Groelândia até o Chuí, desabrochando em mitos indígenas - forma a primeira
parte.
Estudados por Eduardo
Galeano em livros de Antropologia são convertidos num relato que desejo que o mito continue vivo, ele diz. Emerge,
então, desse Continente pré-colombiano a origem do vento e da chuva, do
arco-íris, do dia e da noite, do fogo, das sementes, dos pássaros, do medo e do
riso. E das cores, uma das lendas mais bonitas e, também uma das mais
instigantes.
Porque se a distância que
separa o homem moderno daquele que a escutava nas vozes das antigas tribos da
América impede que sejam conhecidas, hoje, os reais e profundos significados
que ela poderia, então, possuir, no momento em que foi reescrita por Eduardo
Galeano - o Continente estava dominado, na sua maioria, por regimes de exceção
- ela se adensa e principalmente adquire força o sentido da opção.
Agora, em maio, se cumprirá
a década de publicação de Los Nacimientos. Superficiais e melancólicas
e ilusórias mudanças nos regimes políticos de vários países ocorreram. Estática,
no entanto, permaneceu a extrema e irreversível miséria da grande maioria dos
habitantes do Continente que rodeiam as (supostas) ilhas de desenvolvimento
onde a elite, quase sempre opta por ignorar o que se passa ao seu redor ou por
dar-lhe a explicação que convenha a seus próprios interesses.E, agora, nestes dias, volta
o Continente a sofrer ainda outra vez a declarada presença no Peru e na
Venezuela de ditaduras e seus ditadores.
O ciclo iniciado em 1492
interminavelmente se refaz: o “Velho Novo Mundo” permanece igual.
As cores
Eram brancas as plumas dos pássaros e branca a pele dos animais.Azuis são, agora, os que se banharam num lago onde nenhum rio
desembocava, nem nenhum rio nascia. Vermelhos, os que se submergiram no lago do
sangue derramado por uma criança da tribo Cadiue. Tem a cor da terra os que se
revolveram no barro e o da cinza os que procuraram calor nas fogueiras
apagadas. Verdes são os que se roçaram na folhagem e brancos os que
permaneceram quietos.
(Tradução de Cecilia Zokner, publicada no Leia Livros de outubro de 1980)
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