domingo, 24 de maio de 1992

América e claridade


O obscuro na linguagem é um vestígio do antigo servilismo. Pablo Neruda

          Rodriguez Monegal no capítulo XIII de Elviajero inmovil, seu excelente livro sobre Pablo Neruda, comenta, dele destacando algumas idéias, o discurso pronunciado pelo poeta no dia 26 de maio de 1953 quando foi realizado em Santiago o Congresso Internacional da Cultura.

          Falando para intelectuais (entre eles Diego Rivera, Nicolás Guillén, Jorge Amado), Pablo Neruda enuncia alguns de seus princípios estilísticos, iniciando suas palavras com uma citação de Walt Whitman, o velho poeta americano cantor da democracia. Então, se refere ao Canto general cujos poemas, quase sempre, foram escritos em esconderijos onde Pablo Neruda se refugiava para escapar da prisão que o governo contra ele decretara. No entanto, a sua maior dificuldade, nesses momentos difíceis de fuga e isolamento, ele confessa, se constituiu, sobretudo, na luta para alcançar a simplicidade e a clareza.

          Porque, se a poesia, como o pão, entre todos deve ser repartida e se os humildes do Continente não sabem ler, a simplicidade passa a ser o primeiro dos deveres do poeta. Muito me custou sair da obscuridade para a clareza porque a obscuridade verbal passou a  ser entre nós um privilégio de casta literária e os preconceitos de classe consideram como plebéia a expressão popular e a simplicidade do canto, disse, então, no seu discurso. Embora não tenha conseguido se libertar, totalmente do culto pela palavra - e o poema “Mollusca gongoriana” é, sabidamente, disso a prova - esse desejo de que a linguagem, sem deixar de ser poética, seja a do homem e não a de uma casta, é plenamente alcançado no canto XVIII, quando ele dá voz aos homens do povo: o sapateiro, o marinheiro, o pescador, o mineiro. São poemas límpidos, transparentes que Neruda escreve, como claramente diz no poema La gran alegría” do canto XV, para esses simples habitantes que pedem   água e lua, elementos da ordem imutável / escolas, pão e vinho /  guitarras e ferramentas.

          Por esses homens Neruda lutou no Senado e para eles declamou seus poemas. Foi escutado.

          No seu livro de memórias Confieso que he vivido conta que em Lota, cidade das minas de carvão, dez mil mineiros estavam reunidos na praça para um comício político no qual ele também usaria da palavra. Quando chegou sua vez e anunciaram seu nome, os dez mil mineiros, ao mesmo tempo, tiraram os capacetes prestando-lhe assim uma homenagem espontânea, imensa. Uma expressão de calada reverencia..

          Ao dizer a seus pares, em Santiago, quisera deixar bem claro que para os poetas, América e claridad devem ser uma só palavra, ele oferece uma preciosa e norteadora lição da qual sua poesia é um exemplo.

          Ser compreendido por aqueles que deseja como centro de seus poemas e deles destinatários, também faz de Pablo Neruda um poeta único. Ele não apenas se impregnou das vozes de seu povo, como poetou para que esse mesmo povo se escutasse ao escutá-lo.

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