domingo, 26 de abril de 1992

Maluco, romance dos descobridores


Pela Companhia das Letras, acaba de ser lançado no Brasil, Maluco, romance dos descobridores.Prêmio Casa de las Américas 1989, foi publicado pela Seix Barral de Barcelona em 1990 e, no Uruguai, país de seu autor, vem encabeçando a lista dos mais vendidos.

Maluco é o nome dado pelos espanhóis às Ilhas Molucas ou das Especiarias; os descobridores, esses duzentos e cinqüenta homens que sob o comando de Fernão de Magalhães povoam a esquadra de cinco naus e sem lhe saber o rumo se submetem (uns procurando meios para viver nessa Espanha faminta do século XVI, outros, das prisões do rei atirados à força no chão das naus) a enfrentar o desconhecido.

Português a serviço de Carlos V da Espanha, Fernão de Magalhães parte, em 1519, de Sevilha com o objetivo preciso de chegar a Maluco que, situada entre Celebes, Filipinas, Nova Guiné e Austrália, pelo Tratado de Tordesilhas pertencia à Espanha. Queria o capitão chegar a elas que estão a leste, navegando pelo oeste.

Parte a esquadra da Espanha pelo litoral africano até o Cabo da Boa Esperança e toma o rumo oeste até chegar ao Rio de Janeiro. Segue, então, para o sul e pelo estreito de Magalhães chega ao Oceano Pacífico, até esse momento desconhecido dos europeus. Por ele, navega até atingir a meta desejada: as Molucas. Volta  pelo Índico e pelo Atlântico até o porto espanhol de onde partira.

Três anos tinham se passado. Das cinco naus que haviam partido somente a Victoria chegou a seu destino; da tripulação, apenas dezoito homens. Sobre as águas, eles haviam feito a volta ao Mundo.

Napoleón Baccino Ponce de León, a partir da História Oficial, aquela escrita pelos cronistas do rei, reescreve essa História. E, circular, como a viagem da nau capitã, é a estrutura de seu romance.

A narrativa se inicia com a descrição da partida das naus de Sevilha. O tempo é marcado pelo advérbio “então”, introduzindo aquele encanto que torna mudo todos os rumores diante das grandes velas, enfunando-se ao vento. E que se anula com a imobilidade que, por um momento, reina: Por um instante tudo pareceu parar. O rio deixou de correr. O sol de subir no céu. As nuvens de passar. Logo, o estampido dos canhões da nau Trinidad soando nos ares foi o sinal para que tudo voltasse a se animar.

As naus partiam e dela se distanciavam a grande catedral, as fortalezas, as muralhas, as cem torres e campanários, os telhados de Sevilha a vermelha. Ela  fica para trás e São João de Alfarache, de abundantes vinhas, aparece. A estibordo, surge Gelves a Branca. Por ela passam tão perto as naus que os que a navegam quase podem tocar seus muros e sentir a fragrância de que estão cheios os quartos e carregados os armários. Depois Coria, a rica em pombais e La Puebla, aparecendo tímida entre salgueiros e choupos e, além de colinas e olivais, Trebujera. Chegam ao porto de Sanlúcar, ainda na Espanha de onde, agora sim, a data é precisa: partem no dia 20 de setembro de 1519, conduzidas por um furioso vento, seguindo o rumo que Dom Fernão de Magalhães determinara. As naus cheiram a madeira recém aplainada e tem seus porões abarrotados: sacos de farinha, odres de vinho, toucinhos e presuntos dependurados nas vigas, réstias de alho e de cebola , mel, vinagre, sebo e charque.  Obedecendo aos ventos e calmarias, enfrentando  dissensões e revoltas, a solidão, a fome e o frio e as mortes, preso as suas dúvidas Fernão de Magalhães segue na sua viagem.

     Três anos se passam.  Vitória agora é uma nau que  cheira a madeira podre, a cabos ressecados, a bronzes carcomidos pela ferrugem, a velas infestadas de fungo, a porões vazios, a urina e a excrementos.Volta para Sanlúcar e sobe o rio para chegar a Sevilha.Passa por Trebujera, La Puebla, Coria; passa por Gelves a Branca, a bombordo. Tão perto por causa de uns baixios que poderiam os navegantes tocar suas paredes e sentir a fragrância que enche os quartos e carrega os armários .Depois, San Juan de Alfarache e os campos e os olivais. Logo, da última curva do rio, surge a Catedral, os fortins, as cem torres e campanários de Sevilha a vermelha. Então, por um instante, tudo pareceu parar  [...]  O rio deixou de correr. O sol de subir no céu. As nuvens de passar.

Os dezoito homens que voltaram haviam completado a viagem.  Registra a História Oficial que era o dia 6 de setembro de 1522.

No romance, é como se o tempo apenas houvesse passado para os que se aventuraram mar afora. Ao deslizar das naves que partiam, as imagens que deixaram para trás foram as mesmas que, em sentido inverso, encontraram ao regressar: os mesmos meninos pescando encarapitados nas ruínas de uma ponte moura; os mesmos homens a carregar cestos enormes e os mesmos três rapazes a pisar a uva; a mesma velha de preto descascando as favas e os mesmos velhos sentados diante de um tabuleiro enquanto um outro cochila encostado na parede.

Um mundo que permanecera idêntico a si mesmo. Ponto de partida e de chegada de um itinerário de sonho que Napoleón Baccino Ponce de Leon, com maestria, refaz.. tE refaz num romance de construção perfeita em que o lirismo e o épico estão a serviço de uma lucidez que nunca deixou de ser imprescindível neste conturbado e barroco Continente.

Então, extremamente valiosa essa rapidez da Companhia das Letras ao fazer com que Maluco, romance dos descobridores atravessasse fronteiras e dois anos depois de publicado no original, aparecesse em português para o deleite dos brasileiros e para a sua reflexão sobre os caminhos da América Latina.

 

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