domingo, 12 de abril de 1992

Sete anos depois

           Em 1879, José Hernández publicava La vuelta de Martín Fierro. Na pulperia, o personagem de Hernández toma outra vez da guitarra para completar sua história. Dez anos estivera ausente e foram anos de atribulações e de sofrimentos. Com prudência, iniciou um regresso com um só desejo: poder viver e trabalhar.

           Envelhecera nesses três anos de fronteira, nesses dois anos em que vivera como gaúcho fugitivo e nos cinco em que passara entre os índios. Mas, a fama o precedera e numas carreiras reencontrou os filhos.
 
           Cantando, contou suas desditas e, cantando, os filhos contaram as suas. Histórias que se repetem: enganos, mentiras, maus tratos e injustiças que sofrem os que, sem defesa, ficam à mercê dos mais fortes.
 
           O primeiro filho de Martín Fierro se cria sozinho, mal tendo o que comer e o que vestir. Quando pode finalmente trabalhar, acusam-no sem razão, da morte de um homem e é levado preso. Pobre e desamparado lá ficou na cadeia porque a Justiça tendo segura a presa, deixa dormir a causa.
 
           Esse tempo, em que as grades o separam da liberdade, tempo de horas eternas, é medido pela solidão e pelo martírio de querer fumar e querer tomar mate e querer
 
           Na prisão não existem touros / ali todos são cordeiros. Uma perda de identidade que vai se completando nesses dias sem sol, nessas noites sem estrelas, nesse silêncio onde não se escuta outro barulho que o bater do coração.
 
           Mas a justiça severa, a lei que por um crime ou um vício / submete o homem a um suplício finalmente vence. Porque se o cantor canta suas penas, lágrimas, fúrias, desesperos e sua ânsia em ter um cavalo para montar e um campo para correr, acaba por ser moldado. Termina seus versos, didaticamente, aconselhando: e se escutam minhas palavras não haverá calabouços cheios.
 
           Assim, o castigo que sofrera sem ter culpas para pagar o fez esquecer que a autoridade que o havia condenado sem juízo era a mesma que anos antes, ao obrigar os gaúchos a partirem para a fronteira, o privara do pai e da mãe, fazendo com que tivesse uma infância sem roupa, às vezes, e faminto.
 
           José Hernández que tanto se insurgira contra as leis que, à força queriam domesticar o gaúcho, na verdade não se abrandara com o passar desses sete anos. Se o seu personagem Martín Fierro quer, outra vez, se incorporar à comunidade a que pertence, se o seu filho mais velho não deseja para os demais a experiência que viveu no cárcere, a denúncia contida nos seus cantos não fica por isso menos evidente.
 
           Só que a ela se acresce um desejo de solução. Deve o gaúcho ter casa, / escola, igreja e direitos diz, então o poeta, quase no final do poema. Síntese agreste de um ideal antigo que no Continente talvez tenha sido, sempre, um antigo ideal inatingível.

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