Diz o refrão, porém: o que é bom dura pouco. Logo ela morre
e, logo vem o juiz esclarecendo que, por ele ser menor de idade, dos bens que
lhe deixara a tia, ele, juiz, se ocuparia. Do menino, alguém se faria
cargo.Assim, do gado e das ovelhas, tomou conta o juiz; do herdeiro, o velho
Viscacha, nomeado tutor.
Era ele um velho ladrão que
vivia só de expedientes: cortava a crina das éguas alheias, carneava gado que
não lhe pertencia e por onde quer que andasse sempre achava o que roubar.
Falava pouco, mas quando a cachaça o deixava loquaz, punha-se a dar conselhos,
cujo valor fazia repousar na própria experiência: o diabo sabe por diabo, porém
mais sabe por velho.
Pobre e sem trabalho fixo,
seus conselhos refletem um universo em que impera a preocupação pela
sobrevivência e em que, mais importante que a comida, é a possibilidade de
obtê-la. Então, diz o velho Viscacha, nunca se deve parar onde haja cachorro
magro e rumar sempre para onde tenha comida. Exemplifica o seu dizer mostrando
o comportamento dos animais: as formigas nunca procuram um cesto vazio; nunca o
burro esquece onde come. E, acrescenta: comer quieto é o que se deve e sem
chamar a atenção para não perder o bocado.
Também, em relação à
sobrevivência, nesses campos desertos do século XIX, é a defesa pessoal. Para o
velho Viscacha, o uso da faca é preciso e, principalmente, o cuidado em não
deixar exposto o lado em que é usado. Ser prudente, mas se for preciso
desembainhá-la, que ao sair, saia cortando.
Ainda, aprendendo com os
animais, aconselha o sedentarismo: Não
troques nunca de ninho / Faz o que faz o ratinho / conserva-te no
mesmo lugar / em que se iniciou tua existência / vaca que muda de
querência / se atrasa na parição. Para
atingir os fins desejados, recomenda a paciência: “não se apure quem deseje / fazer o que lhe aproveita / a vaca que mais
rumina / é a que dá melhor leite.
Verdadeira formiga para
levar coisas para seu rancho (um rancho sem teto e de paredes caídas), onde ia
enfurnando tudo o que obtivesse, tampouco esquece de aconselhar: os que não sabem guardar /
são pobres embora trabalhem.
Viúvo por conta própria -
havia matado a mulher por que lhe servira mate frio - é reticente quanto ao
casamento. Segundo ele, a mulher só pretende homem bonito e tem um coração frio
como barriga de sapo o que o leva a
concluir: se queres viver tranqüilo / solteiro
deves ficar.
Porque sempre são escusos os
seus negócios (o couro da rês roubada lhe rende o cigarro, a cachaça e a erva
mate), considera de muita utilidade a amizade com o poderoso e, imprescindível,
o encolher-se diante do mais forte.
Da sua visão egoísta do
mundo, onde o outro é só passível de esperteza e de exploração, excepcionalmente,
surge um conselho que a simplicidade rústica da linguagem não impede de se
constituir um verdadeiro aforismo: De
ninguém tenhas inveja / é muito triste
invejar / quando vejas outro
ganhando / a estorvá-lo não te metas / cada
leitão na sua teta / é o modo de mamar.
Enfrentando punições ou
ludibriando a lei, o velho Viscacha tem, sempre, que se esforçar para
sobreviver. No entanto, determina seus próprios limites.O juiz, porém, apenas
necessita enunciar razões para ter o direito de se apoderar do alheio quando
isso lhe resultar conveniente, pois a ninguém deve prestar contas.
Então, na geografia do
Continente, esses conselhos para “educar”refletem
sempre, a sabedoria de quem não ignora pertencer a um mundo de ambigüidades em
que leis severas para uns se tornam extremamente flexíveis para outros.
Martin Fierro, de José Hernández, foi
publicado em Buenos Aires, no ano de 1879.

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