Está para ser publicado em
Nova Delhi, um livro em que o mesmo conto aparece em dez idiomas diferentes.
Cinco ocidentais (espanhol, inglês, francês, alemão, português) e cinco idiomas
da Índia (hindi, marati, punjabi, bengali, e urdu).
Um acontecimento literário
assaz raro e que poderá representar uma importante fonte de estudos para a
Literatura Comparada ao permitir comparar soluções encontradas pelos diferentes
tradutores na transposição de um idioma para outro e observar diferenças
originadas de posições ideológicas próprias de cada grupo social e que o
tradutor repetirá ou contestará.
O conto do colombiano David
Sánchez Juliao foi escrito em 1973, em Lorica, cidade onde nasceu. Tinha,
então, 28 anos e “Por qué me llevas al hospital en canoa, papá?” é um texto que
anuncia o domínio da narrativa e a beleza de expressão que irá fazer de seu
romance Pero sigo siendo el rey uma
das obras mais bonitas e criativas da atual novelística latino-americana.
Iniciando-se pela pergunta que lhe dá o título - pai, por que me leva
de canoa para o hospital? - o conto se constrói nessa resposta que é dada aos poucos pelo
personagem interpelado. De sua voz, de seu gesto, de sua atitude emergem os
fatos, uma determinada e precisa ética de vida e as relações sociais
estabelecidas.
Um camponês, agredido pela
polícia por intentar invadir terra alheia, é levado pelo pai ao vilarejo para
ser tratado. Por que pelo rio e não pela estrada, viagem que demandaria menos
tempo, é a pergunta que lhe faz o filho junto com as queixas pela dor que
sente.
Mas, o pai lhe responde que
deve agüentar (agüente, filho, agüente
como um macho), que deve ser forte como o pai (Agüente, filho, agüente como um macho filho de quem é) e, deve,
também, pagar porque infringiu as normas paternas (não vai morrer, agüente. Trago você pelo rio para que sofra, para que
assim pague a raiva que me deu pelo que você fez.)
Normas essas baseadas no
Direito e que o filho como passarinho
rebelde ousa transgredir. As leis
devem ser respeitadas, porque por alguma coisa foram feitas, diz o pai e
embora precisando (por acaso sabe o que é
ter mulher e dois filhos e não ter terra?) não se invade a terra dos
outros. E, se a autoridade que deve zelar pelo cumprimento da lei assim o faz,
ainda que usando de violência, está no seu direito.
Um desejo de crer na lei
que, no entanto, não tira do pai a lucidez, nem o seu próprio ato de rebeldia:
chegar ao vilarejo pelo rio num dia de feira para que todos vejam o filho
ferido; ir até a rádio local para que se noticie o acontecido; procurar o
Prefeito para comunicar a agressão que seu representante efetuara não são atos
de um homem passivo.
A sede e o calor não impedem
que a voz lhe saia seca e dura para responder de pé, diante da escrivaninha do
Prefeito quando este lhe pergunta o porquê da agressão: é-lhe suficiente saber que seus policiais dão machadadas nos cidadãos.
E isso nem sequer é feito de acordo com a lei. Por isso lhe trouxe meu filho
até aqui para que vissem que não é mentira. Porque nesse país de vocês, a gente
não pode se ater nem à demandas nem à razões.
O Prefeito e o Tenente que
lhe garantem a integridade física apenas se olham, sorriem, dão de ombros e
franzem o sobrolho. Silêncio e pouco caso é a punição que recebe, por sua vez,
o pai pela sua rebeldia.
Então, ele parte com o filho
às costas, agora para enfrentar a “outra confusão”, a de conseguir ser tratado,
dignamente, no hospital. Não porém, sem antes exclamar: Belo país, este de vocês!
Feliz expressão para definir
essa fronteira imaginária que, mais forte que qualquer muralha, mantém
irremediavelmente separados os habitantes de um mesmo país. Dita por um pobre e
maltratado camponês deixa, contudo, os outros indiferentes e permite ao
Prefeito dizer:
- O senhor que recém chegou aqui, Tenente, tem que ir se acostumando com
as loucuras das pessoas daqui.
É sempre assim? - perguntou o Tenente.
-São coisas que acontecem. Mas esse homem está mais louco do que todos
os outros.
Acomodados no espaço
governamental, eles ficaram. Sob o sol e o calor, o camponês caminha com o
filho ferido em busca de socorro.
Cidadãos todos de um mesmo
país, vivendo, como se vivessem em países diferentes.
Para alguns, no Continente,
o país é sempre dos outros.
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