domingo, 15 de março de 1992

O paraíso

                                                                        Tierra mía sin nombre, sin América.
          Em 1950 era publicado no México Canto general de Pablo Neruda, em duas edições, uma do Comité Auspiciador e a outra de Ediciones Oceano, ambas ilustradas por David Alfaro Siqueiros e Diego Rivera. Além das três edições clandestinas que apareceram no seu país, nesse mesmo ano é publicado, novamente, no México em edição popular e na França, Estados Unidos, China, Polônia, União Soviética, Suécia, Romênia, Índia, e Síria.
 
          Um longo e imenso poema, dividido em quinze partes. Cada uma delas, por sua vez, é composta por vários outros cujo aspecto formal e cujo tema - o desenho da América pré-colombiana, a galeria de conquistadores, de libertadores, de ditadores, de anônimos perseguidos, de poetas comprometidos com o destino dos povos - podem adquirir, por vezes, verdadeira autonomia em relação ao todo. São trezentos e cinqüenta e dois poemas agrupados sob quinze rubricas que, se justapondo, constroem uma história da América na qual o épico e o lírico se amalgamam para reconstituir essa trajetória de lutas e traições que marcaram cada um de todos os dias da América e dela fizeram um espaço de desencontros.
 
          Parte do Continente, Pablo Neruda assume nos poemas que formam a décima quinta parte da obra um eu que traduz a expressão da América desde as suas primeiras vozes, anteriores à peruca e à casaca até a realidade dos dias que antecederam esse 5 de fevereiro de 1949 em que ele dá por encerrado o seu Canto general, alguns meses antes de completar os seus 45 anos.
 
          O início de sua História, ele fixa em 1400, nos primeiros poemas “Amor América” da rubrica “La lámpara en la tierra” que abre o Canto general. Então, a América sem nome, ainda, se deixava viver sob o vento e sob a chuva. Um território inconquistado que o poeta se propõe reviver no verbo: Yo estoy aqui para contar la História. E a inicia com seis poemas, esboços dessa terra sem nome e sem donos: “Vegetaciones”, “Algunas bestias”, “Vienen los pájaros”, “Los rios acuden”, “Minerales”, “Los hombres”. Em cada um deles, em cada poema, a forma, a luz, a cor e o perfume estão a serviço das riquíssimas imagens nerudianas para compor essa visão de paraíso diante da qual os homens brancos, que chegariam depois, permaneceriam - quase todos - cegos. Até porque a busca por eles empreendida não era a busca da beleza.
 
          E o jacarandá levantava espuma / feita de resplendores transmarinhos e a lhama abria cândidos / olhos na delicadeza / do mundo cheio de rocio  e do beija flor as minúsculas fogueiras / ardiam no ar imóvel.
 
          E, assim como os bosques se elevam para ser o útero verde da América e o rio Amazonas, o pai patriarca, desliza a eternidade secreta das fecundações , o homem que pertence a esse universo é feito de pedras e de atmosfera, limpo como os cântaros, sonoro. Um homem que planta e constrói, sabe curar e escrever sobre as pedras. Multidões de povos / teciam a fibra, guardavam / o futuro das colheitas / trançavam o fulgor da pluma / convenciam a turquesa / e nas trepadeiras téxteis / expressavam a luz do mundo.
 
          São homens sem futuro porque do mar chegarão os outros. Neruda diz chegam procurando as ilhas. Corria o ano de 1493.

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