domingo, 29 de março de 1992

Estranhos no paraíso


         Perseguido pela polícia por seus violentos discursos no senado, Pablo Neruda, para não ser preso, mudava de casa todos os dias. Foi um ano de perigo e de esconderijo, disse ele nas suas memórias, mas foi nesse ano, 1949, que ele concluiu Canto general.

         Depois de imaginar essa verde terra pré-colombiana, habitada por pássaros, jaguares, anacondas e homens da cor da argila no primeiro canto e de chorar a chegada do branco destruidor; depois de enaltecer os que mais tarde lutaram para dar a essa terra a liberdade e a justiça, Pablo Neruda se defronta com os traidores.    Eles invadem a “arena”. O poeta não lhes cala os nomes: Doutor Francia, Rosas, García Moreno, Ubico, Dutra: os sátrapas, os exploradores, os diplomatas, os juízes. Lembra datas de massacres coletivos e lembra o massacre cotidiano dos explorados. E no mar de traições onde é possível o tiro pelas costas e a palavra que engana o povo ingênuo se aninham, igualmente, os que ainda chegam.  
        

           Três poemas entre os que formam “La arena traicionada” do Canto general, “La Standard Oil Co.”, “La Anaconda Copper Minig Co” e “La United Fruit Co.” sintetizam a história do imperialismo no Continente: os estrangeiros nos poços de petróleo, os estrangeiros nas minas de cobre, os estrangeiros nas terras frutíferas da América Central.

         A Stadard Oil chega antes que todos com seus letrados e suas botas / com seus cheques e seus fuzis / com seus governos e seus presos. Um assassinato de presidente, um fuzilamento, um tiroteio e brilham já “sobre as nuvens, sobre os mares, na tua casa / as letras da Standard Oil / iluminando seus domínios.
a Anaconda Copper Mining Co., Pablo Neruda diz das vítimas: dos que são triturados e devorados pela mina, mortos pela polícia ou pela fome nas planícies da imensidão arenosa.

         E de vítimas e desprezíveis tiranos é a história da United Fruit Co. Morte e sangue para alimentar as autoridades dos truões.    A ditadura das moscas, das sábias moscas entendidas em tirania. Entre elas, deslizam os barcos da Companhia para levar o café e para levar as frutas.

Enquanto isso, pelos abismos
açucarados dos portos,
caíam índios sepultados
na névoa da manhã:
um corpo roda, uma coisa
sem nome, um número caído,
um cacho de fruta morta
derramada na podridão.
      
O Continente continuava a se desangrar. Apenas, os que vieram para exauri-lo eram outros.Como se fosse irreversível essa sina de viver de joelhos diante dos pretensos mais fortes a que o homem do Continente - ou por pobreza e ignorância ou por tosca ambição desenfreada e absoluta falta de caráter - se condenou.

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