domingo, 29 de setembro de 1991

A descoberta da América 2


1979, na cidade de Caracas, se realizava o XIX Congresso Internacional de Literatura Iberoamericana, patrocinado pelo Instituto Iberaoamericano de Pittsburg. Entre os autores convidados, o mexicano Carlos Fuentes, conhecido autor de uma importante e vasta obra romanesca da qual muitos títulos já foram traduzidos para o português (Aura, A cabeça da Hidra, A morte de Artêmio Cruz). Menos conhecido é seu texto para teatro, cujo título, Todos los gatos son pardos, não sugere a imensa beleza das palavras, nem a concepção cênica inovadora que, ainda que se tenham passado vinte anos, não perderam a sua grande força expressiva.     O poder exigir suntuosos cenários, riquíssimos trajes, uma iluminação feérica e sugestivos efeitos sonoros a tornam fadada a um grandioso espetáculo para os sentidos sem que disso se excluam, em nenhum momento, significados extremamente profundos que se enraízam nos mitos do México.  Construída em nove cenas, a ação se passa no Palácio Real, nos acampamentos espanhóis, num templo indígena e é conduzida por Montezuma e Hernán Cortez. Uma corte faustuosa, uns soldados pobres e, entre esses dois mundos, Malintzin, nascida infeliz, tornada Malinche, a traidora que, batizada de Marina, serve ao vencedor.

            Um homem que tudo possuía e outro que nada tinha, assim simplificou a tragédia do encontro de Montezuma e Cortez, o americano Arthur Miller para Carlos Fuentes. Ao redor deles se elevam as vozes cheias de medo dos que não querem ser derrotados e os clamores raivosamente inseguros dos que chegaram e são dominados pela ambição. A voz do ritual e dos profetas. Das verdades e da hipocrisia. Principalmente, a voz da mulher, levando palavras de uns para outros e que entrega os seus para ter o direito de existir.

            Todos los gatos son pardos é uma síntese da Conquista do México. Mudam-se os tempos, mudam-se os lugares, mudam-se as figuras e, ainda, é sempre, a História do Continente. E, as palavras em epígrafe que repetem as conhecidas e citadas réplicas de Andréa (Desventurado o povo que não tem heróis.) e Galileu (Não. Desventurado o povo que precisa de heróis.) não foram citadas em vão.

            Nesse ano de 1979, em Caracas, pude me aproximar de Carlos Fuentes e perguntar-lhe, pois os livros sobre ele e sobre sua obra jamais o haviam mencionado, se Todos los gatos son pardos já tinha, algum dia, sido encenada. Respondeu que não. Doze anos se passaram e continuo ignorando se a peça, como espetáculo, continua inédita.

            Agora, que as comemorações dos 500 anos do descobrimento da América se voltam para os feitos ibéricos, indubitavelmente, mais do que nunca, seria o momento para que tal montagem acontecesse.

            Seria, talvez, o início do descobrimento de uma dramaturgia que tem estado ausente dos palcos brasileiros, mesmo daqueles situados em região de fronteiras com os países latino-americanos e cujos teatros como Álvaro de Carvalho de Florianópolis, São Pedro de Porto Alegre e Guairá de Curitiba, considerando-se o universo cultural do Brasil, tem cumprido sua missão.

            Mas é, sobretudo, pela sua beleza plástica e por essa dialética extremamente valiosa para o homem do Continente, dominantes na peça, que a montagem de Todos los gatos son pardos deve marcar o mundo teatral brasileiro.

            Num território tão vasto, onde os habitantes não somente se desconhecem como tendem a perceber a História pelo olhar dos outros, Todos los gatos son pardos é, certamente, um espelho que tem a ousadia de refletir muitas imagens. Mesmo aqueles que não as queiram ver, ficarão fascinados com a festa e luzes e cores e paixões que o trabalho de um diretor sábio e sutil, cuja visão de mundo não seja a do colonizado, saberá  fazer emergir do jogo cênicos. Incrustadas nesse jogo, as palavras de Todos los gatos são pardos também serão sementes.

 

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