Corria
o ano de 1550, Juan Núñez de Prado havia fundado a cidade, adentrando-se na
América a mando do Vice-Rei do Peru.
Barco, assim a chamara. Mas, ameaçado pelos espanhóis, que do Chile, queriam expandir a conquista,
desmanchou a cidade recém-começada, a amontoou em carretas e no dorso dos
índios e se pôs em marcha para refazê-la mais adiante. Escolhido o novo
assento, mal se erguiam suas paredes quando o medo o conduziu à nova mudança e
à outra mais.Os espanhóis, seguindo o seu capitão, entre risos, exclamações,
tosses, febres, alguma canção e, sobretudo ,esperança, iam tomando posse da
terra. Eles povoam as páginas do
romance de Carlos Droguett com seu sofrimento e sua luta, heróis ou anti-heróis
anônimos, cuja presença é registrada por um gesto, por um som emitido.
Muito
próximo, os índios. Entre os espanhóis sem nome que se aventuraram no
Continente, em busca de um destino, sem saber que só trabalhavam para a glória
do rei da Espanha, os índios são quase sombras. Completam essa trajetória que El
hombre que trasladaba las ciudades quiz
tirar do esquecimento. Figurantes que ora estão aqui, ora estão ali.
Ajoelhados no chão, dormindo enquanto
uivam os cães, correndo da chuva, chorando ou cantarolando no frio da
noite, surgindo da raiz de uma árvore, rindo
assustados ou maravilhados, despencando-se nos precipícios junto com a
carreta em que viajavam. Pelos espanhóis, são tidos como objetos ou como animais. Contarei
as carretas, contarei os índios
diz o capitão. E diz o outro: Olha,
senhor, quanto gado e quanto índio!. E diz o narrador: as flores se inclinavam
cerimoniosamente na direção das carretas para espiar os cavalos
cansados, os índios cansados. Dobram-se
para carregar os pesados fardos da mudança – as roupas, os cestos de grãos, os
garrafões de vinho – as riquezas do
outro, daquele que chegou.
Juan
Núñez de Prado, obsecado pela cidade que fundou e que deseja ver gloriosa, temendo
sempre perdê-la para os espanhóis do Chile, mal lhes percebe a presença e, num
murmúrio, como se falasse para si mesmo, lamenta que estejam sob os fardos. No
entanto, é com palavras claras e digna lucidez que mensura os malefícios que
para os índios resultaram da chegada dos ibéricos no Continente: conosco trouxemos a traição, não apenas o
trigo e algumas plantas exóticas e alguns animaizinhos mas também a falsidade,
a fraqueza de caráter e de alma; o índio não possui o coração traidor, nós o
trouxemos da Espanha e de Flandres, o metemos no México no Peru, ensinamos para o índio não só a
forma do cavalo e sua utilidade, o índio sabe agora que pode trair o amigo e o irmão, que se pode assassinar quem está dormindo e doente, o que não pode se defender, que se
pode deixar de cumprir a palavra... Não ignora que os espanhóis estão
violando e matando e destruindo mas, da sua força de conquistadores assim como
do trabalho dos índios conquistados não quer e não pode prescindir para
levantar a cidade dos seus sonhos.
Desse
sonho, Juan Núñez de Prado será vítima. Ao seu redor, também vítimas, muitos
dos soldados aventureiros que vieram para se enriquecer na América. No caminho
deles, inocentes vítimas, mil índios massacrados.
Sem
maniqueísmos e sem se afastar da Crônica da Conquista, Carlos Droguett em El
hombre que trasladaba las ciudades (Noguer, Barcelona, 1973), faz desses
homens a História. Mais do que heróis é de homens que ele fala. Homens
enredados na destruição e no sofrimento.
Quando
se erguerem as vozes laudatórias para comemorar a chegada dos ibéricos no Continente, tampouco essa destruição e
esse sofrimento que marcou os conquistadores tanto quanto as destruições a que foram
submetidos os conquistadas não deverão
ser esquecidos.

Nenhum comentário:
Postar um comentário