domingo, 20 de outubro de 1991

No tempo da conquista III


Por isso há tanta fatalidade aqui, tanta maldade, não temos mulheres, deveríamos trazê-las para evitar tanto sangue e tantas traições...

          As mulheres ficaram de outro lado  do Atlântico. Um bando de aventureiros o atravessou, procurando as riquezas que no Velho Continente lhes eram negadas. Ou, apenas, um pedaço de terra onde se enraizar. Estavam de sobra nas terras áridas da Península Ibérica que já tinham dono. Embarcavam, então, para um destino desconhecido que deviam enfrentar, quase sempre, na mais absoluta solidão.
 
            Seres sem direito às lágrimas diz Carlos Droguett em El hombre que trasladaba las ciudades (Barcelona, Noguer, 1973), um dos seus romances que fazem parte da, assim chamada pela historiadora francesa Jacqueline Covo, Trilogia da Conquista. No trabalho que apresentou, em 1982, no Colóquio Internacional sobre a obra de Carlos Droguett, realizado em Poitiers na França, ela demonstrou como a obra ficcional do romancista  chileno não se afasta da crônica oficial que registrou  esses primeiros feitos dos ibéricos no Continente. Apenas, dessas figuras estratificadas pelo documento histórico, Carlos Droguett faz personagens profundamente humanos. Empenhados na Conquista do Continente,eles lutam, adoecem, fracassam, morrem, eventualmente vencem e passam a existir na História como heróis ou como vilãos, percorrendo um itinerário no qual a mulher esteve sempre alijada. Nossos olhos são para procurar o peito dos indígenas, não peitos de mulheres, diz um capitão para o outro sintetizando o alvo a que se propumham.

            E fazendo e desfazendo a cidade que a autoridade espanhola do Peru o incumbira de fundar, para defendê-la do rival ambicioso, que vindo do Chile pretendia dela tomar posse, Juan Núñez de Prado, mal vislumbra a mulher na figura de uma índia que se banha no rio  ou na outra que é morta pelos invasores ou na que executa uma tarefa imposta pelos brancos. E, são como relâmpagos as imagens femininas que lhe cruzam o cérebro: lembranças de um gesto, de um olhar, de uma flor, de um riso, de um perfume. Ofertas de alguém cujo nome já pouco importa – ou Amparo, ou Consuelo, ou Claudia, ou Marcela – para quem ele correu, um dia.Também são lampejos, essas ânsias que nele irrompem por uma pele feminina, sadia, cheia de vida e pela qual ele trocaria toda  essa conquista que tem a ilusão de possuir. Mulheres que riam e que chorem sob estas árvores e estas ramagens onde esparramaremos a cidade.

            E, figura de sonho são esses olhos negros que o espiam quando pensa a cidade de Barco assentada, terminada, habitada, esses suspiros, risos, murmúrios escondidos atrás dos postigos que ainda não existem.

            Mas, o rei e sua vontade estão muito distantes. E a conquista do Continente, que por ele se faz entre tantas e desmesuradas privações, não somente ignorou os sentimentos dos vencidos, como, também, os sentimentos  daqueles que a realizaram.

            Porque o importante era somente, a Cruz e a Espada.

 

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