domingo, 22 de setembro de 1991

A descoberta da América 1


             Ao longo do tempo, por diversas razões e, por vezes, induzidas razões, o Brasil tem se mantido alheio aos demais países do Continente, voltado, sempre, para a Europa e para o Hemisfério Norte, os considerados pólos irradiadores do conhecimento. Agora, quando a Espanha prepara os festejos que devem comemorar a chegada de Colombo à América, em 1492, o Brasildeles participa, submetendo-se, salvo as raras e valiosas exceções, à liderança ideológica ibérica. Assim, com exposições, palestras, cursos, conferências, mostras, filmes, concertos, espetáculos teatrais, na maioria dos casos, vai reafirmando essa História Oficial que, até agora, não tem sido o suficientemente questionada. Como resultado dessas atividades, esperar-se-ia uma notável reflexão crítica sobre os múltiplos aspectos relacionados com a chegada dos ibéricos na América e uma conseqüente mudança no trato do Brasil com os países do Continente, na medida que ficará demonstrada a similitude de destinos e problemas cuja solução poderá, muitas vezes, ser semelhante.


            A experiência, porém, tem demonstrado que tempo e constância são necessários para a obtenção  de determinados resultados. Passado o evento, é quase certo que as comemorações, ignoradas pela maioria, venham logo a ser esquecidas pelos que a vivenciaram. O Brasil, certamente, continuará voltado para a Europa e para o Hemisfério Norte e, também, certamente, continuará ignorando seus vizinhos latino-americanos.

            No entanto, as comemorações talvez possam se constituir um privilegiado momento para  que  o país, finalmente perceba que, antes de procurar imitar essa realidade do Primeiro Mundo que tanto admira, deve mirar-se como expressão do Continente. E, em uníssono com os países latino-americanos, fazer seu povo merecedor – com tudo o que isso possa comportar de direitos e deveres-  da cidadania que lhe tem sido negada.

 

            Mas esse Continente unido, sonho de muitos e que, tantas vezes, foram expressos, pressupõe conhecê-lo, compreendê-lo em diferentes níveis e múltiplas direções. Nesse sentido, nas mais diversas áreas, inúmeros programas poderão ser perfeitamente exeqüíveis. Para citar apenas um exemplo, o relacionado com o mundo das Letras: a tradução para o português de obras de autores latino-americanos contemporâneos e para o espanhol, de autores brasileiros contemporâneos.Seria oferecer aos brasileiros, a imperdível oportunidade de ler, hoje, o que há de melhor na produção literária do mundo ocidental e aos latino-americanos, por sua vez, a possibilidade de conhecer os autores brasileiros que, raramente,  são traduzidos para o espanhol e, sem duvida, pelas mesmas razões que induzem a América a se desconhecer mutuamente.

            Tal conhecimento (e compreensão de incomensurável valor para as partes envolvidas) teria um alcance mais amplo e mais duradouro na medida que, podendo usufruir de obras que até então tem sido vedadas, aos habitantes do Continente, eles poderão compará-las com aquelas que lhe são impostas pela política editorial que visa, apenas, o lucro e, então, se dar conta que o ônus oriundo de um atrelamento  cultural no mundo da editoração é muito grande  e não tem sido devidamente mensurado.

            Um descobrimento da América estaria se efetuando. As loas cantadas seriam, então, para aqueles que verdadeiramente delas sejam merecedores.

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