Na
Espanha, as terras áridas e a aridez mental dos que tudo possuíam os havia
relegado a pobres ofícios: eram guardadores de porcos, eram “lavradores de
terra má” e, ao conseguir-lhes os frutos, esses já se lhes escapavam das mãos,
pertencendo aos outros, antes mesmo de serem colhidos.
Da
América, esperavam riquezas. O ouro, quase sempre se diz, é o que eles vinham
buscar e para isso atravessavam os mares.
Entre os que sonhavam, no entanto, haveria, talvez, aqueles que apenas
teriam desejado um pedaço de terra onde encravar raízes o que lhes tinha sido,
até, então, negado. Poucos são os que falam desses sonhadores, se é que eles
existiram.
Em
El hombre que trasladaba las ciudades (Noguer, 1973) de Carlos Droguett,
eles são personagens de ficção. Pobres homens pobres, fundadores de uma cidade
da qual acreditavam possuir uma parcela. Construíram a casa, plantaram o jardim
e o pomar. Então, o Governador deu ordem de mudança. Deveriam despregar portas
e janelas, destruir o espaço construído, aceitar que desaparecesse o universo
que, em meio a penas, medos, carências, haviam, finalmente, conseguido criar.
Rebelaram-se contra as ordens de partir para mudar o assento da cidade. Negaram-se
a assinar a notificação: não assino, me
matem, me enforquem, me amarrem na fogueira, mas não assino, não irei embora,
não abandonarei meus cavalos, nem minhas flores, quero cuidar de minhas árvores,
um deles grita.
E,
na luta entre a autoridade que se quer oriunda de Deus e do Rei e a vontade de
quem deseja possuir uns metros de chão e uma casa, a destruição. Jogados nas
terras do Continente, objetos que poderiam conter a civilização: alguma roupa,
fivelas e botões, pedaços de papel, um livro desfeito, um baralho, gavetas
abertas, mapas, um pequeno martelo.
Na
resistência passiva, aquele que ignora ordens e senta-se para comer.
Diante do prato de sopa e do copo de vinho, o cão a seus pés, ele conhece o
preço da desobediência. De crueldade extrema
é a cena: o Governador ao entrar e vê-lo
obstinado, sabe que essa obstinação, em se opor à mudança, o marcará para a
morte. O homem, embora incrédulo, embora
indignado – me salvar, deixando minhas madeiras, meus móveis?
também sabe que na decisão de permanecer na casa que havia construído, o seu
destino fora selado. A
autoridade, convicta de que está baseada
em princípios ( bons ou maus, válidos ou não), deve se fazer valer. A escolha
do indivíduo se firma na crença de um direito conquistado e não deve ceder.
Na sua
casa, diante do prato de sopa, o homem luta para perder. A vida e o pouquinho
que, por pouco tempo, lhe fora dado possuir.
No
Continente, de vastas terras e ( digamos) de inesgotáveis riquezas, o Velho
Mundo renascia impávido e tirano.

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