domingo, 9 de setembro de 1990

Os limites do homem

            Mario Arregui morreu em 1985,  no mesmo  ano em que saía no Brasil o seu livro Cidade silenciosa  pela Movimento de Porto Alegre. Foi o segundo livro do contista uruguaio traduzido para o português. O primeiro, Cavalos do amanhecer, fora publicado pela Francisco Alves do Rio de Janeiro três anos antes e teve tradução  para o tcheco, russo e italiano.  Mario Arregui  é autor de seis livros de contos sobre os quais diz Angel Rama, com a sua admirável argúcia crítica, : são narrativas que se dedicam a conhecer o homem e seus limites Assim em “Los contrabandistas”, “Diego Alonzo”, “Unos versos que no dijo”. E  em  “Trés hombres”, perfeito exemplo dessa busca e um de seus contos mais belos.
            “Trés hombres” foi publicado em 1960, juntamente com outros três contos, no livro Hombres y caballos. Como seu título indica, nele se movem três homens: um comissário de polícia, responsável por uma vasta zona rural, o sargento, seu subordinado e Velasco, o bandido a quem devem prender.

            Nas andanças em busca de Velasco, surge o momento em que seus perseguidores o vêm embrenhar-se no mato. Decididamente, atrás dele vai o sargento Maciel que, ao se embrenhar entre as ramagens também desaparece. Somente na manhã seguinte é que sairá do mato, anunciando ter prendido o bandido após uma luta em que ele recebera ferimentos e o outro perdera a liberdade. Avançaram, então, o sargento através do mato para levar o bandido para a prisão.  Amarrado estava ele e, assim, não representava perigo algum. Atado pelos pés e pelas mãos, achava-se à mercê dos outros e assim, como algo desprezível o tratou o comissário. Para o sargento, porém, Velasco era um prisioneiro, um homem valente, pois com valentia havia lutado.

            Entre aquele que armado batia no indefeso e aquele que amarrado e no chão não podia responder aos golpes, o sargento decidiu. Como o sargento Cruz nas páginas do Martin Fierro, escolheu o seu destino, identificando-se com o perseguido e reconhecendo nele as virtudes tradicionais do homem do campo: a hombridade e a valentia. E a ética natural o levou a se rebelar contra o superior, opondo-se aos maus tratos infligidos ao prisioneiro  e logo, libertando-o para que  pudesse se defender como homem dos ataques do outro que, então, deveria, por sua vez, atacar ou defender-se como homem.

            A injustiça e a covardia que presenciou lhe guiaram a escolha. Mais do que os galões, a Maciel pesaram as razões baseadas em leis anteriores que se apoiavam na coragem e na lealdade e que não tinham, ainda, sido contaminadas por discutíveis interesses.

            “Era uma vez três homens...” é como se inicia o conto de Mario Arregui. Certamente, um tempo em que  existiam homens para quem o justo – e nada mais -  era o limite.

 

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