Com
estas palavras, terríveis, na medida em que expressam não somente a realidade
do Brasil, mas a de todos os países do Continente que se situam ao sul do Rio
Grande, inicia José Ramos Tinhorão o seu artigo “Pesquisador brasileiro sofre!”
publicado no D.O. Leitura de 9 de setembro passado. Um artigo lúcido e
extremamente oportuno como todos aqueles que dizem verdades, buscando soluções.
Sua leitura será de real proveito para o pesquisador que, mais uma vez, irá
constatar que não está só nesse perseguir o acervo que necessita para seu trabalho, nesse enfrentar dificuldades
originadas de um meio cético ou hostil, nessa espera, após o trabalho
terminado, de um editor que, geralmente, prefere os sucessos estrangeiros
freqüentemente de qualidade duvidosa. E,
mais do que proveito, de imprescindível leitura para os que gerem os órgãos
responsáveis pela realização de pesquisas no país que, salvo as sempre honrosas
exceções, inexplicavelmente, parecem ignorar o que acontece na área. Inclusive
que, talvez, o maior problema seja a falta de ética ( ou, simplesmente de honestidade)
que leva muitos daqueles que se intitulam pesquisadores a usufruírem de bolsas
de estudo e do privilégio de se ausentarem de suas instituições sem se sentirem
obrigados a prestar contas, isto é, apresentarem concluído o trabalho que
pretenderam e com o qual se comprometeram .
Diante
de tal quadro, tornam-se valiosos para uma Instituição, os pesquisadores que
apresentam o resultado de sua pesquisa, mormente quando ela se volta para temas
nacionais.
Ao
traçar a trajetória do grupo étnico
“brasileiro” em dois municípios do oeste catarinense, voltado à
atividade extrativa da erva-mate, a tese de Mestrado de Arlene Renk que acaba
de ser defendida no Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro,
procurou respostas para um aspecto da realidade nacional.
Num
trabalho de 415 páginas, baseado em fontes primárias, material bibliográfico e
em pesquisa de campo, a autora procurou reconstruir o trajeto da expropriação
do “brasileiro” e sua transformação em ervateiro/tarefeiro o que levou, também,
a tratar de sua diferenciação étnica.
Uma
trajetória que se inicia nas terras dos municípios de Ponte Serrada e Vargeão no oeste catarinense. Pertencentes
ao Estado, eram terras habitadas por “brasileiros”( também designados por
caboclos) que dela se apropriavam espontaneamente. Escolhiam o lugar, erguiam o
seu rancho, plantavam sua roça, criavam seus animais. E, dali, se mudavam quando assim lhes
aprouvesse.
Nas
primeiras décadas deste século, essas terras foram vendidas e passaram às mãos
de colonos de origem italiana, vindo do Rio Grande do Sul. Os “brasileiros” perderam
seu espaço e seu modo tradicional de vida foi desestruturado. Diante da nova
realidade instaurada, a industrialização da erva-mate sob a iniciativa dos
recém-chegados na região, houve um novo
reagrupamento dos “brasileiros”, agora, para extrair a erva-mate. Passaram a
ser ervateiros/tarefeiros o que significava viver em barraca no meio do mato,
sem grandes pertences e sem instalações sanitárias, realizar uma tarefa sazonal quando o tempo o permite, estar
impossibilitado de oferecer continuidade de
estudos aos filhos e sofrer de doenças que a falta de conforto mínimo
origina. E, ao se esgotar o tempo de corte da erva-mate, dedicar-se a biscates
ou à mendicância. Pela forma como
constituem família (aceitação fácil de uniões consuetudinárias), pelo fato de
se afastarem da religião católica (por falta de fé, por enfrentamento com o
catolicismo oficial, pela utilização do ritual popular); pela desconfiança em
relação à Escola ( considerar que alfabetizar-se e conhecer as quatro operações
é suficiente pois muito estudo atrapalha;
pela descrença na Medicina ( manifestada
na indocilidade em seguir os tratamentos prescritos e na convicção de que os
remédios são menos eficazes do que os benzimentos); pela opção em se refugiar
no passado ( considerado como tempo de
fartura e liberdade e negação de preparar o futuro), os “brasileiros”se
aprisionam em fronteiras estanques.
Aos
olhos dos italianos, possuidores do
“fascínio da terra” que os conduz ao respeito pela família monogâmica e à
preocupação em assegurar o futuro dos filhos, transmitindo-lhes valores em que
o esforço e o trabalho são privilégios, os “brasileiros”só servem para cortar
erva-mate porque somente isso sabem fazer.
Estão
marginalizados da posse da terra, encurralados numa única possibilidade de
trabalho, prisioneiros de suas atitudes e práticas e de sua visão de mundo, os
“brasileiros”, tarefeiros/ervateiros passaram a ser diferentes a partir da
chegada dos outros.
“A
luta da erva: um ofício étnico da “nação brasileira”no oeste catarinense” dá
conta de sua peculiaridades, oferece muitas respostas e possibilita outras
tantas indagações. O que, no entanto, é importante neste trabalho é a postura
da pesquisadora. Não se afastando das leis que regem os trabalhos acadêmicos e
científicos, Arlene Renk trás esse homem que estudou e seu destino para a outra
realidade do país: aquela que poderá transformar esse destino.
Nos países
do Continente, aí estaria a verdadeira resposta para as perguntas.

Nenhum comentário:
Postar um comentário