domingo, 2 de setembro de 1990

Sobre a Literatura gauchesca


            No regionalismo latino-americano, a Literatura Gauchesca é uma tradição literária das mais amplas e das mais expressivas. De sua amplidão faz prova, além da região geográfica pela qual ela se estende , congregando a Argentina, o  Brasil e o  Uruguai  a sua permanente vitalidade, a sua força e  o alcance popular de textos inspiradores de uma Literatura culta e urbana. Razões que fazem dela um fenômeno literário muito particular e valioso cujos primórdios  somente foram conhecidos através de testemunhos dos viajantes no século XVIII.

             Poesia, de cunho autenticamente popular, foi estudada, periodizada e se constitui uma presença em todos os livros da história da Literatura Argentina e Uruguaia. Depois, dela, o gaúcho, transformado em mito, continuou a alimentar romances, contos, peças de teatro, ensaios, numa produção que se prolonga até os dias de hoje e da qual ficaram obras que não foram vencidas pelo anacronismo que costuma dominar a maior parte da produção artística de uma época.

            Ainda assim, muitas vezes, essa produção é marginalizada pela crítica oficial cujos parâmetros não permitem o estudo de obras que não se pautem pelos modelos forâneos (ou parisienses ou nova-iorquinos)  que são aspirações supremas de uma determinada “elite” latino-americana.

            Daí decorre que estudos sobre Literatura Gauchesca acabaram por se constituir   algo de estático e de parcial: ou somente se estuda a história da primitiva poesia gauchesca, estudo esse justificado pela respeitabilidade que o passar do tempo acaba por conferir ao assunto ou se estudam as obras que, na melhor tradição universitária, são consideradas dignas de atenção por serem, a priori, rotuladas como obras primas.

            Por outro lado, os autores da Literatura Gauchesca  quando  recriam o gaúcho, o fazem de maneira ambígua ao ignorarem a distância que separa a representação  “idílica” (expressão de Ligia Chiapini Moraes Leite)  de suas verdadeiras condições de vida.

            A Literatura Gauchesca passa a servir, então, a textos épico-aristocráticos, produzidos por  donos de terras que encontram, no gaúcho, um meio para ilustrar a própria  ideologia , como tal mistificadora de uma realidade própria do meio rural dos países do Prata e do Rio grande do Sul.

            Assim, estudar o gaúcho e a relação que mantém com a liberdade nas obras de ficção , é estabelecer, também, suas relações com o latifúndio que leva o gaúcho  à opção de uma liberdade inútil, desprovida de  sentido, uma vez que, nem ao menos, questiona a estrutura social na qual está inserido.

            Deter-se nessa questão é um desafio. Questionar a figura do mito em países que tanto necessitam dele, quase uma temeridade. Mas, realmente, se trata de uma questão que induz à busca de uma resposta quando uma simples releitura dos textos gauchescos mostra que se o amor pela liberdade é uma constante, também  uma constante a contradição que existe no ato de lutar por uma terra que não lhe pertence e que, certamente, não lhe pertencerá jamais.

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