domingo, 7 de outubro de 1990

Os Conquistadores. 2


O rei precisa soldados, cada vez, mais soldados, mais cruzes.  Carlos Droguett           

            Muitos deles são sentinelas cujos passos ressoam, guardando a cidade e a casa do Governador: batem na terra com negligência, sem olhar para parte alguma como cegos ou adormecidos.  Outros, muitos, presença constante, embora registrada apenas por vozes, gritos, queixas, murmúrios, cantos. São imagens  que se diluem na cor da noite, na chuva, na névoa. Uma e outra vez fixados numa atitude, num gesto, numa expressão. E’um soldados que dobra a bandeira, um outro que dá golpes de martelo na parede de uma casa, ainda o que abate ramos das árvores ou aquele que bebe água na fonte. São mãos agarradas nas espadas e lancas e arcabuzes e punhais e adagas ou simplesmente empunhadas num pequeno gesto dramático e incompleto.  São olhos que riem ou que tem medo,  são dentes ávidos, rostos suados e envelhecidos.

            Eles avançam para conquistar a América. Da Espanha, eles vieram  Cavalheiros empobrecidos e sonhadores, lustrosos de miséria, perseguidos e sozinhos para serem soldados. El hombre que trasladaba las ciudades (Noguer, Barcelona, 1973) é, também,  a sua saga. Uma saga de heróis sem história que, em busca de um futuro, desembarcaram neste outro lado do mar.

            No romance de Carlos Droguett, a crueldade não está, apenas, diante da resistência encontrada no Continente, mas na própria ação empreendida. Parte da expedição formada para fundar uma cidade, o homens-soldado, foi vítima  das agruras do traslado, do choque de ambições daqueles a quem estavam subordinados.

            Entre o riso e a esperança, alimentando-se de sonho e de imagens do passado, repetindo rituais e obediências que trouxeram com eles, percorrem o caminho que lhe traçam. O Continente vai sendo dilacerado por seus instrumentos que abem sulcos na terra, derrubam árvores  e por suas armas.

            Sujos e desamparados, jovens e alegres, os espanhóis vão se perdendo. Houve os que adoeceram, os que foram feridos ou presos ou condenados à morte. E, houve os que passaram frio. Doentes, febris, cheios de dores, cheios de tosses, desfigurados, terrivelmente brancos, olhos enormes, cheios de lágrimas, diante da falta de cuidados em que se encontravam e diante da ameaça de serem abandonados quando da mudança da cidade, só podiam ter esperanças na religião. Feridos, tem o peito ensangüentado no uniforme feito pedaços ou o braço maltratado, escorrendo sangue. Coxos ou cegos, sabem que isso os condena à morte porque para a nova cidade não irão os imperfeitos. Condenados, perto da forca já são incapazes de qualquer esforço, mesmo o de chorar de medo ou de piedade. E, morrendo longe da terra que lhes viu a infância, nela não terão, ao menos uma lápide que lhes guarde o nome.

            São os soldados da Conquista. Carlos Droguett em El hombre que trasladaba las ciudades não apenas os redime do esquecimento como -  sem que nisso esteja contido um perdão – os enumera, também, como vítimas dessa conquista.

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