Sou um simples
instrumento de umas mãos altas e
distantes, de uma garras, talvez.
Carlos
Droguett
Obedeciam
às ordens do Rei e inventavam as próprias. Dispunham da vida e dos sonhos dos
soldados que comandavam: os capitães.
Don
Juan Núñez de Prado, partindo de Potosi se internara pelas terras do Continente
para fundar uma cidade. Duzentos homens o acompanhavam e alguns índios.
Quando,
no desejo de defender a cidade dos ataques dos espanhóis, vindos do Chile ele a
mudou de lugar três vezes, teve que enfrentar dissidências dos que não queriam
partir, mas se enraizar, simplesmente cuidar de uma árvore, construir os
próprios móveis. Capitão, governador da cidade, ele e seus capitães são os
instrumentos da Coroa Espanhola e nela buscam as razões para aplicar a justiça.
Então, ao desejar refazer a cidade espanhola nas terras da América –
vislumbrá-la com as ruas calçadas onde
passem carruagens cheias de risos
femininos e mantilhas e leques, com as
casas de sacadas feitas de ferro e ornadas de
flores – lhes é permitido ignorar os sofrimentos e prender e matar e
condenar à morte àqueles que a isso se opõem. Não podemos compreender ninguém,
diz o capitão Vásquez. E diz o capitão Juan Núñez de Prado: eu não quero, nem quer o rei, espanhóis sedentários e sim
aventureiros, seres infelizes e
desenraizados, ardentes, fortes, orgulhosos.
E, assim eles deverão permanecer – os doentes, os feridos, os medrosos serão
destruídos - até que a sua vontade
determine o assento da cidade quando, então, os sonhos dos soldados e os seus
próprios sonhos poderão ser os mesmos. Enquanto tal não acontece, apenas ele, o
que ordena, é dono da razão. Uma razão em que se mesclam a obediência às ordens
recebidas do Vice-rei, isto é da Coroa, com as ambições e os sonhos que levam
Juan Núñez de Prado a ver-se e a seus capitães como a futura nobreza da nova
cidade por eles criada.
Se,
no Velho Mundo, interesses temporais bem
precisos se entrelaçaram sempre aos interesses espirituais que
procuraram torná-los justificáveis, assim continuou a sê-lo também no
Continente pois Deus e o rei vão junto na
Conquista desta terra. Para explicar
seus atos, diz Juan Núñez de Prado: estas
são as mãos do rei. Para negá-lo, lhe responde o capelão: e estas
são as mãos de Deus . E um e
outro se apóiam no verdugo, no garrote, no Santo ofício. Apóiam-se numa justiça
que se proclama de origem real e divina.
Senhores
absolutos do destino de seus semelhantes e do universo no qual eles adentram
para tomar posse, os capitães duvidam e temem. Duvidam das próprias decisões
sem, no entanto, a elas se poderem furtar; temem a traição dos seus ou o gesto
que irá apunhalar um moribundo. Mergulhados numa solidão tão grande como o
espaço que os rodeia, eles transferiram, no desalento ou na alegria, para
outras mãos ( certamente, para outras garras) a conquista do Continente.
Seus
feitos – heroísmo e miséria – foram resgatados por Carlos Droguett. Sem se
afastar do que narra a crônica da Conquista da América, o escritor chileno, num
dia de maio de 1967, decidiu trazer esses conquistadores e o mundo que
conquistaram, novamente para a vida. E escreveu um dos mais belos romances de
que pode se orgulhar a Literatura do Continente: El
hombre que trasladaba las ciudades ( Barcelona, Noguer, 1973).
Carlos Droguett, ex-exilado do governo Pinochet, completará 78 anos no
dia 15 de outubro, na Suíça.

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