domingo, 14 de outubro de 1990

Os Conquistadores.3


Sou um simples instrumento de umas mãos altas  e distantes, de uma garras, talvez.
                                                                                                          Carlos Droguett           

            Obedeciam às ordens do Rei e inventavam as próprias. Dispunham da vida e dos sonhos dos soldados que comandavam: os capitães.

            Don Juan Núñez de Prado, partindo de Potosi se internara pelas terras do Continente para fundar uma cidade. Duzentos homens o acompanhavam e alguns índios.

            Quando, no desejo de defender a cidade dos ataques dos espanhóis, vindos do Chile ele a mudou de lugar três vezes, teve que enfrentar dissidências dos que não queriam partir, mas se enraizar, simplesmente cuidar de uma árvore, construir os próprios móveis. Capitão, governador da cidade, ele e seus capitães são os instrumentos da Coroa Espanhola e nela buscam as razões para aplicar a justiça. Então, ao desejar refazer a cidade espanhola nas terras da América – vislumbrá-la com as ruas calçadas onde  passem  carruagens cheias de risos femininos e mantilhas  e leques, com as casas de sacadas feitas de ferro e ornadas de  flores – lhes é permitido ignorar os sofrimentos e prender e matar e condenar à morte àqueles que a isso se opõem. Não podemos compreender ninguém, diz o capitão Vásquez. E diz o capitão Juan Núñez de Prado: eu não quero, nem quer o rei, espanhóis sedentários e sim aventureiros, seres infelizes e desenraizados, ardentes, fortes, orgulhosos. E, assim eles deverão permanecer – os doentes, os feridos, os medrosos serão destruídos -  até que a sua vontade determine o assento da cidade quando, então, os sonhos dos soldados e os seus próprios sonhos poderão ser os mesmos. Enquanto tal não acontece, apenas ele, o que ordena, é dono da razão. Uma razão em que se mesclam a obediência às ordens recebidas do Vice-rei, isto é da Coroa, com as ambições e os sonhos que levam Juan Núñez de Prado a ver-se e a seus capitães como a futura nobreza da nova cidade por eles criada.

            Se, no Velho Mundo, interesses temporais bem  precisos se entrelaçaram sempre aos interesses espirituais que procuraram torná-los justificáveis, assim continuou a sê-lo também no Continente pois Deus e o rei vão junto na Conquista desta terra.  Para explicar seus atos, diz Juan Núñez de Prado: estas são as mãos do rei. Para negá-lo, lhe responde o capelão:  e estas são as mãos de Deus . E um e outro se apóiam no verdugo, no garrote, no Santo ofício. Apóiam-se numa justiça que se proclama de origem real e divina.

            Senhores absolutos do destino de seus semelhantes e do universo no qual eles adentram para tomar posse, os capitães duvidam e temem. Duvidam das próprias decisões sem, no entanto, a elas se poderem furtar; temem a traição dos seus ou o gesto que irá apunhalar um moribundo. Mergulhados numa solidão tão grande como o espaço que os rodeia, eles transferiram, no desalento ou na alegria, para outras mãos ( certamente, para outras garras) a conquista do Continente.

            Seus feitos – heroísmo e miséria – foram resgatados por Carlos Droguett. Sem se afastar do que narra a crônica da Conquista da América, o escritor chileno, num dia de maio de 1967, decidiu trazer esses conquistadores e o mundo que conquistaram, novamente para a vida. E escreveu um dos mais belos romances de que pode se orgulhar a Literatura do Continente:  El hombre que trasladaba las ciudades ( Barcelona, Noguer, 1973).  

Carlos Droguett, ex-exilado do governo Pinochet, completará 78 anos no dia 15 de outubro, na Suíça.

 

 

 

 

 

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário