domingo, 21 de outubro de 1990

Da marginalidade e do escrever


            E’na Universidade de Poitiers, a 340 quilômetros de Paris, que se inscreve um dos mais prestigiosos centros de estudos sobre literatura latino-americana. Em 1981, continuação de um programa que já havia sido dedicado a Pablo Neruda, Juan Carlos Onetti, Augusto Roa Bastos, César Vallejo, Graciliano Ramos e Machado de Assis, foi realizado um Colóquio Internacional sobre a obra de Carlos Droguett.

            Extremamente importante pelo número e pelo nível dos trabalhos apresentados e pela documentação sobre o autor, presente ao evento, realizada em vídeo, representou, sobretudo, a partir de uma presença efetiva na Universidade francesa, um marco para a história literária do romancista chileno no que se refere ao que a Literatura Comparada chama “fortuna” de uma obra.

Na verdade, um acréscimo pois textos de Carlos Droguett há muitos anos, já haviam chegado na França. Seus primeiros contos que passaram despercebidos no Chile como, de certo modo e durante muito tempo, todos os seus romances, foram traduzidos por Francis de Miomandre que os considerava admiráveis e os publicou em revistas literárias francesas.

            Mais tarde, em  1977, foi a vez de Eloy, romance publicado na Espanha antes de sê-lo no Chile, ser traduzido para o francês e publicado pela Maspero. E, em 1983, pela Denoël, numa tradução verdadeiramente brilhante de Jean Marc Pelorson, apareceu Patas de perro. E, anunciada para breve, a tradução de El Compadre.

            Até certo ponto, seguindo os passos  dessa trajetória da obra de Carlos Droguett no circuito comercial francês e, logo o acompanhando, a crítica universitária se faz presente. Em 1980, Ana Maria Díaz-Moreno defendeu uma tese sobre Eloy e, agora, bem recentemente ( o trabalho não trás data), uma nova tese é defendida, desta vez sobre Patas de perro, romance considerado por muitos como a obra-prima de Carlos Droguett: Une étude de la marginalité dans Patas de perro, de Carlos Droguett. Seu autor, Jean Paul Audoin, se debruça sobre a marginalidade de Bobi, o personagem principal do romance, num mundo hostil em que prevalecem as normas e as leis. Procura mostrar como a marginalidade é ligada à sociedade da qual o marginal procura fugir e como essa sociedade está na origem do processo de marginalização e com as conseqüências que lhe são inerentes.             Antecedido por um estudo sobre a gênese da história, sobre a solidão que alimenta os dois personagens principais e sobre as buscas de Bobi, uma orientada para a religião, outra para a política, “Escrita e marginalidade” a quarta parta do trabalho se detém em dois aspectos que são de suma importância na obra de Carlos Droguett: o procurar transgredir as normas vigentes na construção do romance e o oferecer um universo romanesco fragmentado através de explosões de palavras que, aparentemente, podem parecer caóticas. Sobretudo, porque nem sempre, os tempos verbais se justapõem e as frases começam onde parecem estar terminando. Este contrariar da lógica, diz Jean Paul Audoin, permite reviver do interior do personagem este fluxo de paixões que nascem e desmaiam, que são gravadas e apagadas. Assim, as impressões  criadas são mais próximas de uma verdade emocional do que qualquer outra escrita em que os esquemas estejam previstos de antemão. Uma desordem que, de certa maneira, se inscreve na natureza e na sociedade: desordem de idéias e de sentimentos que, no entanto, frisa o estudioso francês, são o suporte dessa sociedade normalizada e intolerante. Razão de sobra para que nela existam os oprimidos, os marginalizados.

            E’por eles que o romancista chileno escreve. Em Patas de perro como o demonstrou Jean Paul Adouin, ele modelou a escrita à imagem do seu personagem: marginais ambos. Na sua concepção revolucionária do mundo – de um mundo que ele anseia diferente – a rigidez da escrita deve ser quebrada como devem ser quebrados os laços que aprisionam o homem. E, Jean Paul Adouin cita as palavras que, em 1981, Carlos Droguett pronunciou em Poitiers: ser marginal significa ser livre.

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