E dizia Cyro
Martins, em 1981, na festa em que eram festejados, no dia 30 de julho, os 75
anos de Mário Quintana, na saudação que foi publicada no dia 8 de agosto no
“Letras & Livros” do Correio do Povo de Porto Alegre: Seus sonetos subjugam o leitor pela
bizarrice de certos temas, pela densidade de pensamento, pela capacidade de
usar a métrica e a rima sem os formalismos tradicionais, sem sílabas contadas
na ponta dos dedos, numa cadência de vibratibilidade subjetiva e com uma força
de transmissão contagiante como jamais acontecera em língua portuguesa nesta
forma poética.
Simples,
prosaicos, os dois primeiros versos de “O auto-retrato”, anunciando algo sem
segredo: No retrato que me faço/ traço a
traço. Nos que seguem, porém, já um fugir do real ao se reproduzir como uma
nuvem, uma árvore, coisas que não mais existem ou que, ainda, irão existir. E a
palavra lida, expressa logo no início
do primeiro terceto, e o verbo busco
entrelaçam e mudam o desejo de alcançar algo maior – se encontrar – que,
simplesmente, o representar-se, diluído em outros seres, se constitui, apenas,
um itinerário. Busca feita de incerteza, de uma dúvida que se apresenta
explícita – que restará? e que, de
algum modo, retoma o desengano que, também habita esses outros poemas e que é
feito de um pouco de troça, expresso no fantasioso em que se matiza a realidade
(e o anjo e o Conde Drácula, a bela Helena e a chama, semelhante a um gato, que
lhe lambe a perna de pau), na repetição inglória de nada entender e, outra vez,
dormir, e na ironia a se reconhecer um belo
monstro ingênuo e sem memória.
Nos dois
últimos versos do soneto, a resposta, evidentemente, plena de significados na
sua aparente singeleza como soem ser os desenhos infantis (encerram universos e
sonhos) e na sugestiva afirmação do verso final em que tanto o termo corrigido,
como o termo louco irrompem,
surpreendendo. Como se a par do luminoso dos versos precedentes, houvesse, de
repente, um outro universo regido por leis distintas, significando que, na
busca de si mesmo, o Poeta atinge o desconhecido ou a sábia riqueza da loucura.
O que, também pode significar um refúgio.
O
auto-retrato
No retrato que
me faço- traço a traço –
As vezes me pinto nuvem.
As vezes me pinto árvore...
As vezes me pinto coisas
De que nem há mais lembrança
Mas que um dia existirão.
E desta lida, em que busco
- pouco a pouco-
Minha eterna semelhança,
No final, que restará?
Um desenho de criança...
Corrigido por um louco.
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