Apparício
Silva Rillo nasceu em Porto Alegre e com pouco mais de vinte anos, abandonando
os estudos, foi trabalhar num empório comercial dos arredores de São Borja e,
depois, na cidade, que não mais iria deixar. Em 1959, publicou seu primeiro
livro de versos, Cantigas do tempo velho, ao qual se sucederiam Doze
mil rapaduras e outros poemas (1984) e Poço de balde (1991),
além dos livros de contos, de causos gauchescos e dos que se reportam às
corridas de cancha reta e ao jogo do osso, expressão de seu trabalho como
pesquisador das tradições e do folclore do Rio Grande do Sul. Em 1980, publica,
no “Caderno de Sábado” do Correio do Povo de Porto Alegre, um poema
dedicado a sua terra de adoção: “São Borja, 1920”. São seis estrofes com número
díspar de versos (entre oito e dez), sempre introduzidos pelo refrão, grafado
em caixa alta, naqueles tempos, sim,
naqueles tempos e uma última, construída em dois tempos: oito versos aos
quais se acrescentam mais quatro e o refrão que finaliza o poema. Um poema – e
o título já o indica – a cantar um passado no qual cabem as casas e seus
moradores e a vida, transcorrendo tranqüila. Desenhadas e com suas telhas portuguesas, balcões,
sacadas, porões e sótãos, com as portas altas e alto o pé direito das suas
salas, as casas se suavizam nas cores que ostentam – azuis claros, ocre, branco
e amarelo – e se antropomorfizam nos adjetivos que as fazem cálidas, solenes, sob o abrigo das telhas maternais, com suas acolhedoras
latrinas de madeira, sua água armazenada em barril barrigudo. E se
enchem de vida com seus jasmineiros sobre o muro, suas laranjeiras, galos e
cachorros no quintal. Vida que se estende, soberana, nas pessoas que as
habitam: os homens, usando barba, indo ao clube, ajudando as obras da igreja;
as mulheres, fazendo filhos, bordados, velas de sebo e sabão, rosquinhas e
tachadas de doce, rezando na igreja, plantando flores e temperos. Então, o
esboço do quadro se amplia na igreja e no poder. O padre, cumprindo suas
funções em latim e, conviva, na mesa do prefeito; os homens mais convictos nas
armas que nos santos e os coronéis de galões ganhos nas batalhas.
E o afetivo
que torna tudo luminoso - a latrina acolhedora,
disfarçada entre as plantas, a água
no barril e uma concha para a sede,
as casas, por vezes, sem reboco, a batina manchada do padre, os velórios, a
morte, o ritual de reprodução do gado – se aprofunda na última estrofe.
Inscrita na primeira pessoa do plural, engloba toda a gente que descende desses
homens e dessas mulheres para assumir o passado, que o poeta toma, também, como
seu, cristalizado nas casas, estâncias e sesmarias e se enriquecendo com o som
da terra (no caso o berro dos bois), com o significado dos retratos que pendem
das paredes. Sobretudo, se cristaliza com os valores herdados – a barba dos avós como um selo no queixo – e com a carga de afeto, prazerosa, do
doce das avós na memória da boca.
Universo
já ido a entrelaçar vidas e um jugo ao qual Apparício Silva Rillo se submete no
poetar espontâneo que não precisa de rimas, nem de ritmos e se alimenta do
inspirado uso de um verbo (janelas que
espiavam), de um advérbio (morriam
discretamente), de um adjunto (receitas
de panela farta), cujos sentidos
se completam nesse cultuar do espaço (da
sombra verde para o sol das ruas)
e das gentes (que ficavam nos retratos,
que sabiam receitas). Mas se o refrão
afirma e reafirma o que foi – Naqueles
tempos, sim, naqueles tempos – o
poeta traz de volta, com a sua voz inspirada, plena de emoção, a realidade que
imagina.

Nenhum comentário:
Postar um comentário