domingo, 20 de fevereiro de 1994

A palavra em desuso

          No décimo primeiro capítulo, “La poesia es un oficio”, de Confieso que he vivido, Pablo Neruda conta sobre momentos de sua vida em que o destino de poeta que lhe coube ou que perseguiu se mostra plenamente justificado. São os episódios da leitura de seus poemas num sindicato pobre de carregadores ou na tribuna política diante dos mineiros de Lota. Prova comovente da relação que pode se estabelecer en­tre o poeta e aqueles a quem ele se dirige.
 
          Pablo Neruda agrupa esses textos sob o título “O poder da poesia”, acreditando que algo ela poderá fazer pela humanidade.


          Embora o mundo se torne cada vez mais subme­tido a uma tecnologia constantemente renovada e que torna marginal aquilo que não pertence a seus domínios, dela o ho­mem não recebe todas as respostas. Inquieto, cercado por pro­blemas os mais comezinhos, ainda que lhe fique muito claro estarem as funções do poeta cada vez mais distantes, é ao po­eta que se dirigem as perguntas sobre essa ausência de rumo que coincide com o impressionante progresso científico e tec­nológico.
 
          Não há escritor, hoje, que não seja inqui­rido, mais que sobre as artes, sobre os problemas que se ori­ginam desse conturbado viver de fim de século. Sem querer, sua voz, que desejou apenas ex­pressar as verdades do homem, se vê levada a responder sobre os absurdos que sempre existiram no Continente. Como se opi­nar também se constituísse uma função da qual não devesse se eximir.
 
          Há dez anos atrás, o professor Guilhermino Cesar, num artigo para o “Letras & Livros”, do Correio do Povo de Porto Alegre, lembrava a entrevista concedida a Jayme Dantas, em Buenos Aires, nos anos de 1973, por Jorge Luiz Borges. O jornalista brasileiro lhe perguntou, então, se ele arriscaria uma palavra sobre o futuro da Argentina. E Borges disse: Não exerço a função de profeta, nem sei o que pode acontecer mas tenho uma fé quase ingênua em que a pátria se salve [...]. A salvação da pátria, porém, depende menos de nossa ação política, de nossas opiniões políticas, e mais de que cada um cumpra de modo probo com a sua função. Eu creio na importância da conduta individual.
 
          E conclui Guilhermino Cesar: São palavras que servem à Argentina, nos dias de hoje, como também nos servem, a todos nós que assistimos, estarrecidos ao recrudes­cimento do mal inexorável: muitas palavras, muitos programas, muitas promessas e quase nenhuma conduta realmente ética. Será que escrevi uma palavra feia?
 
          Feia ou em desuso, ou desconhecida pela grande maioria nos últimos tempos, seria razoável que vol­tasse a nortear os atos humanos.Mas, prisioneiro da ignorância ou da exage­rada cobiça, parece que os homens mudaram, irreversivelmente, o seu comportamento.
 
          E a função dos que pensam ou sentem em dis­cordância da grande massa são apenas solicitados a enunciar suas verdades. Como algo de raro ou de curioso porque, sem dúvida, os humanos continuam sempre os mesmos e somente os que são iguais se comunicam entre si.

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