Leila Mezan Algranti inicia
o seu livro, Honradas e devotas:
mulheres da colônia (José Olympio, 1993), com a história da infanta Joana
que recusou três valiosos casamentos para se encerrar num convento. E reclusa,
dos dezoito aos trinta e seis anos, passou os seus dias. Morreu dez anos antes
da descoberta do Brasil sem que então, ou mais tarde, fossem desvendados os
mistérios dessa escolha que é tida pelos historiadores ora pela única possível
diante de uma honra maculada ora pela obediência a uma irresistível vocação
religiosa.
E assim como a história da
infanta Joana, filha de Afonso V permanece obscura, ainda nos dias de hoje, uma
sem número de outras histórias femininas continuam sem se desvendar.
A proposta de Leila Mezan
Algranti, historiadora paulista, professora da Unicamp neste seu livro é
então, a partir do estudo dos recolhimentos e conventos do século XVIII,
desvendar algo desse universo que o povoava.
Certamente, a sociedade da
época se descobre nos registros policiais ou cartorários, nos arquivos que serviram
de fonte para as pesquisas sobre a mulher brasileira na colônia.
No entanto, adentrar-se
nestes caminhos femininos é comprovar lacunas e ausências que não são suficientes,
porém, para eludir aquelas poucas talvez, que foram combativas e resistiram à
dominação masculina.
Muitas vezes, para fugir
dela, submetiam-se à vida do claustro que, eventualmente, podia lhes resultar
mais leve.
As repetidas advertências,
que procuram evitar algum abrandamento na vida que se pretendia austera, são
disso a prova.
Essas advertências, assim
como pastorais, portarias dos superiores se referem ao desrespeito às normas
que determinavam o cotidiano dos conventos. Visavam impedir a entrada dos
visitantes, limitar as conversas, proibir a presença nas janelas que davam
para a rua, legislar sobre o vestuário.
Na verdade, tratava-se de um
cotidiano rigorosamente ordenado numa divisão temporal de horas - a maior
parte delas dedicada à oração - marcadas por toques de sino separando o tempo
individual do tempo comunitário e buscando uma ocupação constante para afastar
o perigo da ociosidade malsã.
Mas, regras e cuidados não
foram suficientes - como bem o demonstraram o testemunho dos escritos - para
evitar a presença de visitas, as conversas no parlatório e nas janelas, o
vestir trajes feitos com tecidos nobres e o uso de acessórios de ouro.
Proibições que demonstram
não ser pequeno o número de mulheres que, induzidas ou obrigadas a viver enclausuradas,
procuravam levar uma vida que se assemelhasse àquela que haviam deixado.
O estudo de Leila Mezan
Algranti - rico em dados sobre a população dos conventos da região sudeste do
Brasil colonial - revela que os cânones patriarcais, regentes das relações
familiares e sociais que permitiam aprisionar filhas e mulheres nos conventos,
não conseguiam anular totalmente a ânsia de viver.
Assim, quando trancafiadas
ou abandonadas elas buscavam, muitas vezes, fugir ao que lhes era imposto. No
limitado horizonte feminino desses tempos coloniais era breve, porém, o caminho
que podiam percorrer, até porque transgressões e punições andavam juntas.
Quebrar silêncios, buscar
companhia, repetir rituais profanos eram uma iniciação à rebeldia.
Resistência inconsciente
que, certamente, pouco ajudou esse prisioneiro mundo feminino, mas que, por
outro lado, não permitiu que fosse total a supremacia opressora dos homens.
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