domingo, 1 de abril de 1990

Esperas e perfeições

            O desengano é uma das expressões da lírica de Alfosina Storni. Pretender assumir a maternidade sem ter se submetido às leis às quais ela deve estar submissa ou pretender gozar dos direitos, até então, reservado somente aos homens foi um avançar sobre o seu tempo que, necessariamente, teve um preço. E, os versos da poetisa argentina, muitas vezes, traduzem as decepções e as revoltas que tiveram o seu germe num meio e numa época em que ser livre para o amor e  para ser mãe fugia aos padrões e a seus consentimentos.

            Sofrer muito, porém, não foi razão suficiente para que Alfonsina Sorni se negasse ao amor, para que deixasse de ansiar por ele. E, sua entrega já se inicia na espera do amado. Uma espera que é ritual ( o poema “Sábado”o descreve)   em que se mesclam desejos primitivos de sentir a terra, a água, as plantas, os animais ( andei descalça...beijei as plantas... perfumei as mãos com o sumo cheiroso do jasmim)  com os ecos de um conforto traduzido em som de louças e cristais,  em visões de mármore branco. Perfeição e beleza que a poetisa aspira para seu corpo: ser deusa feita de mármore, com cabelos de fios entrelaçados, com a boca de flores.

            Em 1952, quatorze anos depois de sua morte, nascia em Cuba, Reina Maria Rodriguez. Cresceu para se fazer poetisa num momento em que já estavam sendo ofertados à mulher outros caminhos: a realização profissional irrestrita e o direito de aspirar, sem pretender liames formais, à plena realização afetiva. Reina Maria Rodriguez procura, também, o amor, o amado. Talvez, mais do que tudo, o verdadeiro encontro com o outro.E, o leve desencanto que perpassa nos seus poemas provém, não de abandonos ou decepções, mas da impossibilidade sua e da impossibilidade do amado de se compreenderem: insetos transparentes que não souberam voar até a perfeição. Sabe que seu corpo se cala porque está, ainda, preso a rigores herdados. Mas, à espera do amado não pensa em oferendas. A seu encontro leva, apenas, o medo de esperar em vão. E, quando se quer perfeita, é um dizer irônico enumerando seus defeitos ( ter gostos desordenados, apreciar exageradamente o  café, sofrer, como qualquer mortal de doenças crônicas) e seus inconcebíveis desejos: dispor de objetos extraordinários, aprender alguma coisa ou dizer como é o mundo, possuir um tigre de verdade ou, por uns instantes, ser mis universo.

            Esperar pelo amado ou para ele desejar ser perfeita são momentos que aproximam, brevemente, essas duas poetisas entre si tão distantes. O  tempo que transcorreu e as transformações que trouxe para o ser feminino, certamente,  não modificaram  os seus anseios. Mas, permitiram  que esses anseios não continuassem  presos a conceitos, a estereótipos e a leis e pudessem, então,  ser expressos  livremente, sem entraves.

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