Um
ano antes de suicidar, José Maria Árguedas recebeu o Prêmio “Inca Garcilaso de
la Vega”. No discurso que então
pronunciou, o escritor peruano se diz um indivíduo quechua moderno,
isto é, possuidor de uma cultura
milenar que se expressa na língua do povo que tentou sufocar essa cultura. Uma dualidade ao congregar em si o
saber indígena o saber hispânico que
desejou converter em linguagem artística. Para
muitos, Vargas Lhosa, Angel Rama e outros, ele o conseguiu.
Seu
primeiro livro, Agua, um livro de contos, data de 1935. Em 1954,
publicou Diamantes y pedernales e, treze anos depois, Amor mundo y
otros relatos, também coletâneas de contos .Mas, foram três de seus
romances que lhe deram notoriedade: Los ríos profundos ( 1958), Todas
las sangres ( 1964) e El zorro de arriba y el zorro de abajo,
publicado postumamente.
Ao
suicidar-se, no dia 28 de novembro de 1969, o romance que deveria escrever para
a Editora Losada ficou inconcluso e,
assim, foi publicado, mesclando-se a seus capítulos, as páginas do diário que
José Maria Árguedas escrevia nos momentos de crise. A esses textos acrescentaram-se,
ainda, as palavras que pronunciou ao receber o Prêmio “Inca Garcilaso de la
Vega” e as duas cartas escritas antes do suicídio, uma a Gonzalo Losada, outra
ao Reitor da Universidade Agrária da qual era professor.
Se,
nesses capítulos de El zorro de arriba y el Zorro de abajo, deixa-se
entrever nas suas lutas em busca do caminho para uma perfeita realização ficcional, nas
páginas do diário se mostra uma alma enfrentando fraquezas tão imensas que,
talvez, signifiquem, mais do que tudo, atos de coragem: confessar-se, outra vez,
às portas do suicídio, discutir sobre a melhor
maneira de realizá-lo. Essas páginas ficcionais expressando as suas
preocupações estéticas a serviço de uma idéia e as confessionais, expressando a
profundidade dos abismos em que, ao longo da vida, José Maria Árguedas, tantas
vezes, se viu mergulhado se inserem,
como os demais contos e romances e como todos os seus escritos sobre a cultura
quechua reunidos em Señores e indios, no objetivo primeiro de sua tarefa
intelectual: fazer emergir a sabedoria e a arte indígena.
Criado
entre os quechuas, falando a sua língua e conhecendo os seus cantos e os seus
mitos, José Maria Árguedas é o branco que se incorpora à cultura dominante para
nela inscrever o acervo indígena, desprezado pelos que chegaram ao
Continente. Então, ele proclama: Não sou um aculturado. Sou um peruano que, orgulhosamente, como um demônio feliz,
fala em cristão e em indígena, em espanhol e em quéchua..
Sabe
muito bem e deseja que todos saibam que o povo considerado enfraquecido ou
impenetrável pelos colonizadores, conservou, num exercício de séculos, a luz da
razão e da criatividade. Luz que nenhum muro opressor conseguiu impedir que
brilhasse.
Num
Continente em que a elite dominante desconhece ou faz por desconhecer as suas
origens para cultuar valores alienígenas e quer fugir à compreensão do que
esses valores significam ou trazem no seu bojo, a voz de José Maria Árguedas
pode soar discordante. Para
aqueles, porém, que acreditam que o Continente ainda poderá encontrar o seu
caminho é uma voz que se alça para ser estrela e guia..
(

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