Numa
humilde edição, feita pelas mãos de presos, apareceu Trilce, no ano de
1922, em Lima, livro que foi rodeado por
uma verdadeira conspiração de silêncio. César Vallejo, seu autor, tinha, então,
trinta anos e já havia publicado Heraldos Negros quatro anos antes. Nota
Roberto Fernández Retamar no Prólogo às Obras Completas do autor
peruano, publicadas pela Casa de Las Américas em 1970 que, politicamente, 1922
foi o ano da entrada de Mussoline e dos
camisas negras em Roma e, literariamente, o ano de publicação de Ulyses
de James Joyce e The Wasteland de
T.S. Eliot. Acrescenta que a importância do aparecimento de Trilce
para a poesia espanhola não é menor que
a daquelas obras para a Literatura Inglesa ( o primeiro decidiria o rumo da
prosa, o segundo, da poesia).
Trilce
não somente foge do tradicional mimetismo de inúmeras obras do Continente em
relação à cultura européia como, ao romper com a razão e com as formas
lingüísticas tradicionais, inicia uma visão de mundo relativa e instável que
desintegra a realidade.
Houve
quem dissesse que Trilce , contém uma sílaba da palavra “triste” e outra
da palavra “dulce” (doce), exatamente a síntese do livro. Embora sejam versos
que, poucas vezes, se entreguem,
racionalmente, à compreensão, a
expressividade da linguagem, feita de recursos sonoros, rítmicos e gráficos,
estabelece a comunicação poética afetiva que se amplia ao se reconhecer a
representação das vivências do poeta. Assim, o poema 58, “En la
celda”.Circunstâncias nebulosas, um processo absurdo, o levaram à prisão. Mais
tarde, num de seus poemas confessará: O
momento mais grave de minha vida foi minha prisão numa cárcere do Peru. Mas, já em Trilce, o seu sofrimento se
escoa em versos que exprimem esse conhecer que teve das injustiças e da
compaixão e que o levam desse presente
perverso para a infância que, então, revive, sob as sombras da cela e dos
homens que nela habitam. Os
esfarrapados, os humildes, os famintos, o conduzem para a
lembrança do menino que se esquecia dos alimentos (à mesa de meus pais, menino,
eu adormecia mastigando); que ria das rezas da mãe, no domingo (pelos caminhantes, encarcerados doentes e pobres); que batia nos mais fracos ( No redil de crianças, já não assestarei socos em nenhuma delas).
O
presente vivido com os humilhados lhe pesa tanto que desejaria poder modificar
essa infância longínqua: que o menino que foi soubesse o valor do pão porque há
famintos; o valor da reza porque há desamparados; o valor do respeito ao próximo
porque há injustiçados . E é tão forte essa emoção do poeta que a recusa da simetria, da harmonia e dos
padrões lingüísticos usuais - parte de
sua “arte poética”- não chegam a erguer
barreiras entre seus versos e o leitor. O
repúdio das estruturas sociais
que o faz vislumbrar sociedades igualitárias – sonho que irá perseguir
- se expressa num poetar mergulhado em
formas nunca antes vistas no Continente.
Luta pela justiça e prega ter o direito
de estar verde e contente e perigoso e introduzir os pés e o riso.
Morreu
aos quarenta e seis anos, muito pobre, em Paris. Real e verdadeiro filho do Continente.

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