domingo, 22 de abril de 1990

O universo sonhado


            Alberto Gerchunoff, até então, só havia publicado críticas literárias vivamente mordazes na revista Ideas de Buenos Aires quando, em 1910, apareceu em Buenos Aires, o seu primeiro livro, Los gauchos judios.

            A alegria de um namoro ou da colheita do primeiro trigo, a tristeza da morte que advém imprevista ou de uma injustiça inesperada são temas que se inscrevem nos vinte e seis pequenos textos que compõem a obra, uma recriação do cotidiano da Colônia Rajil de Entre Rios, na Argentina: a ordenha, a festa de casamento, deliberações pelos rabinos sobre um pedido de divórcio, a morte violenta de um membro da comunidade, os bois arando o campo, a nuvem de gafanhotos que destrói a horta e o jardim.

            Dos colonos que, no fim do século XIX, vieram para a Argentina, fugindo dos guetos e massacres da Rússia, Alberto Gerchunoff esboça os retratos: judeus que se apegam às tradições das rezas e rituais com os quais abençoam a nova pátria e que, lentamente, vão se aculturando.

            Do dia a dia, ele registra os diálogos ingênuos como o que se estabelece a cada manhã na casa da velha judia que procura o ninho das galinhas, repetindo, sempre, a mesma queixa: nunca põem os ovos no mesmo lugar. Queixa que, invariavelmente, recebe a mesma resposta: são mal educadas, patroa.

            Tinha cinco anos Alberto Gerchunoff quando chegou na Argentina, vindo na leva de emigrantes que aportou em Buenos Aires, num dia de outono de 1889, trazidos pelo navio Weser. Talvez os seus anos infantis e adolescentes não tenham sabido mensurar os dramas então enfrentados e só lhe tenham ficado na lembrança as cores dos campos, os trabalhos de todos os dias, a convivência com a terra e as canções entoadas. Porque das lutas e dificuldades dos primeiros tempos da imigração quando os colonos trabalhavam para que a terra desse frutos ou para conquistar o idioma, o testemunho  vai-se fazendo  em cores suaves, em traços idílicos: a vaca era boa como um pedaço de pão, a primavera estalava e as margaridas branqueavam o verde feliz dos campos.

            Suave e rústico é o mundo descrito por Alberto Gerchunoff. Porém, as comemorações do centenário da Fundação de Moisés Ville,  colônia onde inicialmente se havia instalado a família Gerchunoff,  não ignoraram que, para os que chegaram, houve falta de habitação condigna, houve falta de alimentação sadia e de atendimento médico. Que foram causa de desilusões a dificuldade na obtenção das terras que haviam sido oferecidas pelo consulado argentino em Paris, a impossibilidade de cumprir, integralmente, o ritual religioso, as diferenças de mentalidade.

            Como se nesse território conquistado para a riqueza agrícola – a introdução de novas técnicas para o plantio e a instalação de cooperativas agrícolas fizeram  com que em apenas quatorze anos passados, já existissem mais de duzentos mil hectares cultivados – houvesse rígidas fronteiras de universos. Um, o de Alberto Gerchunoff, de belas judias e de sábios varões, de campos cultivados e  de paz. Outro, o da crônica histórica, de fracassos, de medos, de perdas irreparáveis.

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