Em
1969, foi publicado pela Edinova do Rio de Janeiro, com seu título original, Huasipungo, termo que significa parcela de terra outorgada pelo dono do
latifúndio à família indígena que a cultiva
nos momentos que o trabalho devido ao patrão lhe deixam livre. É difícil, dada
as dimensões do país, seguir a fortuna que teve esse romance de Jorge Icaza no
Brasil e até mesmo conhecer os motivos que levaram a sua tradução. Na verdade,
se trata de uma obra, extremamente forte, tanto pela sua história como pela
maneira como é relatada e dela não está distante Hijos del viento (Plaza
y Janes, Barcelona, 1973). Seu título se completa com a palavra indígena huairapamushcas, cujo significado é gente que aparece trazida pelo vento. O
escritor equatoriano, neste romance, oferece instantâneos de um cenário rude
nos seus desfiladeiros a quatro mil metros de altura, o esboço de um povoado, monte de choças, casas pardas entre taipas
desmoronadas e de sua igreja
monumental no sarcasmo de torres
brancas, da casa do rico proprietário com suas paredes de adobe.
Igualmente, os personagens continuam a ser os índios submissos e miseráveis, o
capataz cruel e desonesto, o padre, criador de galos de briga e conivente com
os que lhe propiciam pecúnia para a igreja e para seus gastos. Também, o trato
entre os índios e o patrão que tem, de permeio, o látego de três correias enroscado
como serpente no cabide do quarto. Mais do que a sua existência, porém,
guiará o comportamento do novo dono das terras, o costume antigo de considerar
os índios que trabalham para ele, absolutamente desprovidos de valor. Se lhes
dirige a palavra o faz aos gritos e com termos ofensivos: índio porco, sem vergonha,
ladrão, burro;
pelo menor gesto que lhe desagrada, usa do açoite que não poupa o corpo e
tampouco o rosto. Assim o faz com a jovem índia que se aproxima para tirar-lhe
as botas porque dela sente nojo; assim o faz, ainda que sem provas, com o índio
acusado de roubar gado; e com o seu capataz ao comprovar seus furtos e
perfídias, flagelando-o nas costas, nos braços, no rosto. Nenhum índio coloca
em dúvida ser ele o dono das terras, das matas, dos animais, das águas e deles
mesmos. E de tudo ele se considera dono: das vacas, dos cães, dos galpões, das árvores,
do rio, da vida e da morte dos índios, da jovem índia que ele acossa no meio do
mato. E, desse mesmo jeito, quer ser o seu capataz. Embora alijado do mando,
não quer se privar do que já havia roubado do velho patrão e do poder que lhe
era outorgado, usado contra os de sua raça. Justifica sua opção, lembrando que
o primeiro dono das terras as vendera para os índios de quem as havia roubado;
e que, muito antes, chegados por mar, os homens haviam despojado os índios de tudo e o que foi pior, lhes deixando a
vida. Esses fiapos de vida, Jorge Icaza torna a tecer na ficção.
Dez
anos antes, no seu livro El fabuloso
reino de Quito, o historiador Jorge Carrera Andrade registrava o testemunho
indígena: Os homens brancos devoram tudo
o que encontram, consomem a própria terra, mudam o curso dos rios, [...]
procuram ouro e prata, jamais estão satisfeitos, caçando, guerreando,
matando-se uns aos outros, roubando uns aos outros, jurando em vão, jamais
dizendo a verdade.

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