O
capítulo III tem por título “A ameixeira do Japão”, uma árvore que foi, no
dizer de Érico Veríssimo, no primeiro volume de Solo de Clarineta (Porto Alegre, Globo, 1974), como o marco do tempo da infância e uma entidade importante de sua
mitologia particular. Ele ainda morava em Cruz Alta, cidade onde nasceu, na
casa que tinha ao lado a farmácia cujo dono era seu pai e, entre as quais, num alto canteiro era a única árvore
existente. O autor gaúcho lembra do amor que tinha pela árvore e do desejo de
estar perto quando precisava de solidão para imaginar, para viver o mundo de faz de conta. O seu nome, o conduzia ao
Império do Sol Nascente que tinha conotações românticas para ele nos seus
samurais, mandarins, pagodes, gueixas de olhos em forma de amêndoas. Recostado
no seu tronco, aos sete anos, folheava um livro de guerra, escrito em francês,
cujas imagens o encantavam e o faziam tomar partido pelo Japão que lutava
contra a Rússia. Relembrando esses momentos, se pergunta se a sua escolha não
era influenciada pela árvore que junto com ele, olhava as figuras. Mais tarde,
já adulto, ficou sabendo que a árvore que ele conhecia como ameixeira do Japão
era uma nespereira. Com um olhar já então mais realista diz que tinha “um porte médio, não era das mais bonitas nem
no desenho nem na cor. Produzia frutos amarelados, de forma oval, com caroços
graúdos e polpa parecida com a do
pêssego. Na sua lembrança, a árvore revive junto com as raízes, o tronco,
os galhos e as folhas e até com os
insetos e passarinhos que voavam ao redor dela. E não o deixa esquecer o
sabor algo ácido de seus frutos que somente se dissolvem numa doçura lânguida quando ficam murchos. É
com a nespereira que ele comparte a leitura de O Tico –Tico, seu cheiro mágico
de tinta e de papel de jornal e das obras de Júlio Verne que parecia
interessar à nespereira, lidas por cima de seu ombro. Como a casa do major Mumro,
uma casa sobre rodas puxadas por um
elefante de aço, movido a vapor,
a nespereira passou a ser a sua casa a vapor e, um dia, ele a fez projétil que
o levou a dar uma volta ao redor da Lua. E, quando um pequeno pássaro cantou,
pousado no seu galho, para ele não foi uma simples corruíra e sim um exótico e multicolorido pássaro da
misteriosa Índia.
Outras
árvores lhe estiveram próximas: as laranjeiras, as bergamoteiras, os
caquizeiros, os pessegueiros que faziam parte do pomar do Colégio Cruzeiro do
Sul, onde, em Porto Alegre, ele foi estudar em regime de internato. Todos os
seus frutos, porém, eram inacessíveis aos alunos, proibidos, sob pena de
castigo, de entrar no pomar. Isto não
parece emocioná-lo pois é na
terceira pessoa que registra viverem os internos como anjos caídos, expulsos do Jardim das Delícias, olhando de longe
com gula e frustração os vermelhos caquis, as laranjas e as bergamotas cor de
sol.
Porque
é à ameixeira do Japão de sua infância que se prende Érico Veríssimo. E se o
terceiro capítulo assim se chama (e não a nespereira) é para ser fiel ao menino
que ele foi.

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