Há
três anos atrás, Juan Gelman recebia o Prêmio Reina Sofia de Poesia
Iberoamericana. O prêmio era uma razão a mais para comemorar. A outra, o
término de uma longa batalha judicial em que ficou reconhecido o direito de sua
neta, nascida no Uruguai, durante a prisão ilegal da mãe, de usar os sobrenomes
dos pais. Agora, neste ano que findou, recebeu, também da Espanha, o Prêmio
Cervantes, considerado o mais importante das letras hispânicas.
Nascido
em 1930, em Buenos Aires, filho de imigrantes ucranianos, desde muito jovem
militou no Partido Comunista e como participante da organização guerrilheira
Montoneros, foi, duramente, perseguido pela ditadura Argentina e obrigado a se exilar. A par de seu trabalho
jornalístico, Juan Gelman é autor de muitos títulos – o primeiro, Violin y otras cuestiones, 1956 – e
seus versos testemunham o tempo em que vive e as perenes inquietações dos
homens.
De
1993, é sua Antologia Personal,
cujos cento e dezenove poemas foram tirados dos livros publicados ente 1962 e
1968. Neles, estão ausentes as letras maiúsculas e salvo um ou outro ponto de
exclamação, por vezes, inundando alguns poemas, o ponto de interrogação. Ele
está em acorde com o quê o poeta afirma na Apresentação do livro: as suas
obsessões continuam na aberta escuridão
de seu sentido, obrigando-o a procurar respostas que jamais encontra ou
imagina encontrar. Assim, o poema “Glorias”. Colmado de perguntas que alimentam
todos os versos da primeira estrofe: era
loira a pulpeira de Santa Lucia?/ tinha os olhos azuis? / e cantava como a cotovia
a pulpeira? / refletiam seus olhos a
glória do dia? / era ela a glória do dia sua imensa luz? Seguem-se, as afirmativas: são perguntas inúteis para este inverno
que não podem ser lançadas ao fogo, não são próprias para esquentar as pessoas,
nem o país gelado de sangue. Logo, o retorno à pulpeira e a seus atributos, à
suavidade que instaurou e as razões de possíveis descaminhos: quem não ia se perder nessa
noite? Tal história poderia ser contada e, também, outras, igualmente
tristes. Então, o poeta retorna às perguntas: não está correndo o sangue dos
dezesseis fuzilados em Trelew, por suas ruas e pelas outras ruas do país, não
está correndo sangue e existe um lugar do país onde o sangue não esteja
correndo? Tampouco a pulpeira é poupada, pois outras perguntas são enunciadas. Na
verdade, são afirmações do que acontecia no país: e cheia de sangue a pulpeira e seus olhos azuis afogados em sangue? / e
a cotovia afundada no sangue e glória do dia /com as asas empapadas de sangue
sem poder voar? / não há sangue na penumbra
de teus seios amada? e que o levam, novamente aos fuzilados de Trelew : os
presos políticos que, em agosto de 1972, fugiram de uma prisão e, forçados a se
entregarem, confiaram nas palavras que lhes garantiam serem poupados. Uma
semana depois eram mortos. O sangue deveria ser recolhido para que fosse
possível escutar o quê dizia e o quê cantava e para propiciar-lhe o luto e a
lembrança.
A
penúltima estrofe repete: o país está sendo regado com sangue o que induz à súplica:
Oh! sangue derramado, conduz-nos ao
triunfo. A última estrofe, sem referência explícita, se faz em versos que entrelaçam
as palavras chaves do poema, sugerindo uma louca esperança: como cotovia de seus seios caía e / como
sangue para apagar a morte e / como sangue para apagar a noite e/ como sol como
dia.

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