domingo, 13 de janeiro de 2008

O poeta e seu tempo


            Há três anos atrás, Juan Gelman recebia o Prêmio Reina Sofia de Poesia Iberoamericana. O prêmio era uma razão a mais para comemorar. A outra, o término de uma longa batalha judicial em que ficou reconhecido o direito de sua neta, nascida no Uruguai, durante a prisão ilegal da mãe, de usar os sobrenomes dos pais. Agora, neste ano que findou, recebeu, também da Espanha, o Prêmio Cervantes, considerado o mais importante das letras hispânicas.

            Nascido em 1930, em Buenos Aires, filho de imigrantes ucranianos, desde muito jovem militou no Partido Comunista e como participante da organização guerrilheira Montoneros, foi, duramente, perseguido pela ditadura Argentina e  obrigado a se exilar. A par de seu trabalho jornalístico, Juan Gelman é autor de muitos títulos – o primeiro, Violin y otras cuestiones, 1956 – e seus versos testemunham o tempo em que vive e as perenes inquietações dos homens.

            De 1993, é sua Antologia Personal, cujos cento e dezenove poemas foram tirados dos livros publicados ente 1962 e 1968. Neles, estão ausentes as letras maiúsculas e salvo um ou outro ponto de exclamação, por vezes, inundando alguns poemas, o ponto de interrogação. Ele está em acorde com o quê o poeta afirma na Apresentação do livro: as suas obsessões continuam na aberta escuridão de seu sentido, obrigando-o a procurar respostas que jamais encontra ou imagina encontrar. Assim, o poema “Glorias”. Colmado de perguntas que alimentam todos os versos da primeira estrofe: era loira a pulpeira de Santa Lucia?/ tinha os olhos azuis? / e cantava como a cotovia a pulpeira? / refletiam seus olhos a glória do dia? / era ela a glória do dia sua imensa luz?  Seguem-se, as afirmativas: são perguntas inúteis para este inverno que não podem ser lançadas ao fogo, não são próprias para esquentar as pessoas, nem o país gelado de sangue. Logo, o retorno à pulpeira e a seus atributos, à suavidade que instaurou e as razões de possíveis  descaminhos: quem não ia se perder nessa noite? Tal história poderia ser contada e, também, outras, igualmente tristes. Então, o poeta retorna às perguntas: não está correndo o sangue dos dezesseis fuzilados em Trelew, por suas ruas e pelas outras ruas do país, não está correndo sangue e existe um lugar do país onde o sangue não esteja correndo? Tampouco a pulpeira é poupada, pois outras perguntas são enunciadas. Na verdade, são afirmações do que acontecia no país: e cheia de sangue a pulpeira e seus olhos azuis afogados em sangue? / e a cotovia afundada no sangue e glória do dia /com as asas empapadas de sangue sem poder voar? / não há sangue na penumbra de teus seios amada? e que o levam, novamente aos fuzilados de Trelew : os presos políticos que, em agosto de 1972, fugiram de uma prisão e, forçados a se entregarem, confiaram nas palavras que lhes garantiam serem poupados. Uma semana depois eram mortos. O sangue deveria ser recolhido para que fosse possível escutar o quê dizia e o quê cantava e para propiciar-lhe o luto e a lembrança.

            A penúltima estrofe repete: o país está sendo regado com sangue o que induz à súplica: Oh! sangue derramado, conduz-nos ao triunfo. A última estrofe, sem referência explícita, se faz em versos que entrelaçam as palavras chaves do poema, sugerindo uma louca esperança: como cotovia de seus seios caía e / como sangue para apagar a morte e / como sangue para apagar a noite e/ como sol como dia.

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