Nas
primeiras páginas de Confieso que he
vivido, Pablo Neruda lembra a emoção sentida diante do ninho de pássaro silvestre, tecido com musgo e pequenas plumas que
tinha dentro uns maravilhosos ovinhos cor de turquesa. Emoção que se mescla
a outras, próprias da infância e que irá perdurar ao longo de sua vida como o
atestam tantos poemas. E que se renova ao ouvir os cantos dos pássaros, ao
vislumbrá-los e persuasiva e plena de beleza se mostra no livro Arte de pájaros, publicado em 1966. A
obra se compõe de uma Introdução, o poema “
Migración” e do Epílogo cujo título é “El poeta se despide de los pájaros”. Entre eles, três partes: “Pajarintos” “Intermédio” e “ Pajarantes”. A maioria dos poemas da primeira e da
segunda parte trata do pássaro que lhe dá o título. Num ou noutro, o Poeta se
dispersa. Quando, por exemplo, fala da árvores, cuja abundante folhagem foi
caindo e cada broto aprendeu a voar.
No Epílogo, sintetiza, quase apenas mencionando, os pássaros sobre os quais
poetou, em versos que deles fazem pequenas jóias ao dizer de suas cores,
formas, movimentos, trinados. Um olhar que, na verdade, pouco se pousa na cor
das plumagens: pequeno deus amarelo, peito vermelho, plumagem de pimenta, roseira
rosa de seu pescoço. Tampouco se
detém muito nas suas formas. Do flamengo diz: Era seu corpo feito de plumas,
eram de pétalas suas asas, / eram uma rosa que voava. E da garça: A neve imóvel tem 2 pernas longas na lagoa. E do pintassilgo: como uma pluma num raio / passou, pequena criatura. O movimento dos pássaros é que, principalmente, o
encanta e o seu trinado. Como num relato, um pássaro cruza, desce, dança, sobe; outro, assim se
manteve no céu / com duas asas, duas
claridades e, ainda, eis que de
repente um movimento / uma minúscula
bandeira, / uma escama do arco íris.

Misterioso,
quase sempre, um trinar: trinou seu
desvario e suas noticias de cristal, ele rompe com seu grito de água, mil anos de longos silêncios; grita com a voz da água, canta sua lânguida canção, como uma gota ou
uma uva / ou uma flecha que tremeu.
Se, na maioria dos
poemas o Poeta esboça o pássaro e seu movimentos, em alguns, ele se inscreve
como aquele que vê, ouve e, sobretudo, se emociona com a beleza do efêmero. No
poema “Codorniz”, lembra: vi resvalar com
sua formosura / uma sombra, uma forma, uma ave / uma fruta, uma flor de plumas, uma pêra pássaro fruta e
apenas a pode ver que a visão se dissipa e ele permanece com o crepúsculo / com a fumaça, / o pó e a noite, / com a solidão do caminho. Naquele que dedica
ao flamengo, retorna à infância ( criança
eu era, Pablo Neruda), relembra a
honra que teve ao ver o flamengo pousar na água como uma nave de nácar e
nada do que viveu, depois, impediu que a ave ou
anjo indelével estivesse ausente de sua alma. Como os pássaros que o Poeta
entrelaça com o vento, a chuva, o sol, a lua, as folhas e eterniza no seu verso
para este mundo que se degrada como lamenta em Pomba-trocaz”: Eram minha família selvagem [...] e agora
por aqueles bosques / foi embora da árvore minha família, ninguém me espera
voando. / Parece que somente restam / algumas árvores queimadas.
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