
No
seu prólogo a
Tacuruses, um dos mais
belos livros de poemas da Literatura Gauchesca, Victor Perez Petit diz que o
problema do destino do homem humilde dos campos uruguaios palpita, constantemente,
nessas páginas de Serafin J. García, o que também pode ser dito a respeito de
seus contos. E, assim, dos relatos de Yamandú Rodriguez o que lhes determinou o
sucesso, tendo sido sua obra espalhada por várias revistas, entre as quais
algumas de Buenos Aires. Porém, nem tudo o que escreveu, salvo o volume de suas
Poesias Completas (1953), foi
compilado em livro. Em 1969, apareceu
Cuentos
escogidos, um pequeno livro que reúne seis contos
que jaziam perdidos nas páginas
de amareladas revistas, que, na opinião de Serafin J. Garcia que os
selecionou, se constituem os melhores dentre os que escreveu. Na verdade, uma
perícia narrativa, demonstrada ao construir
seu relato a partir de um quase nada. Em “Domingo”, o penúltimo da coletânea,
se trata, apenas da tarde de domingo que o avô e neta passam, sentados à beira
da estrada, em pleno ermo que é onde está o rancho onde vivem. Há todo um
preparativo que preenche o tempo da menina-moça a partir da hora em que termina
de arrumar a cozinha até aquela em que o avô se levanta da sesta. Isidora (assim
ela se chama) já se considera pronta para ir sentar na frente da casa à espera
de algo. Sinuosa, a narrativa se enleia no passado. Episódios da vida do avô: suas
lides guerreiras, empreendidas mais por desenfado do que por convicção
partidária, com o batismo de fogo acontecido não por valentia, mas por não ter dominado
o cavalo que o fez se expor demais ao inimigo. Três lembranças da mulher:
quando a conheceu, nas ocasiões em que ela descobriu seus amorios com as
comadres e a noite que passou galopando para encontrá-la com vida e ao chegar
já estava sendo velada. Muito pouco, de Isidora. Aceitou ir para a casa do avô
que prometia colégio e roupa e nos três anos que se passaram ganhou só um
vestido e as tarefas da casa para fazer. Porém, ao se deter em breves cenas que
animam um cenário de singelezas, é um relato cujo ritmo permanece ágil: as
galinhas que se abrigam do sol na efêmera sombra do rancho e ali ficam com os
bicos abertos ou a que seguida dos pintainhos se aproxima de Isidora, pula no
seu colo, desce para o chão, apanha as migalhas de pão e as reparte; o cachorro
baio, preguiçoso e sem graça que vai junto com a dona em busca de minhocas para
alimentar as calhandras e à tardinha volta triste, com cheiro de zorrilho e
tenta se refugiar na sala de onde é tocado e só lhe resta ir se deitar no pátio;
a vaca “hosca”, sempre adiantada para a ordenha que Isidora faz com a cabeça
apoiada no seu corpo morno. Chamado por Isidora indignada, o velho cavalo que
abandonara o capim que pastava para se aproximar da janela e arrancar a flor da
malva:
surpreendido em falta, gira sobre
as patas e fica imóvel de frente para a estrada com o pescoço espichado, a
cabeça baixa e a flor entre os belfos.
Simplório
e chão universo e uma espera plena de indagações que os acertos narrativos de
Yamandú Rodrigíguez, conhecedor de seu ofício, fazem transcender do anedótico
para revelar as tão humanas incertezas e esperanças.
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