Yamandú
Rodriguez, poeta, dramaturgo e narrador uruguaio, começou a escrever seus
poemas em fins de 1910. Foram entusiasticamente publicados em jornais e
revistas. Logo, se dedicou ao gênero teatral em versos e com 1810 e El Matrero teve grande sucesso. Porém, foram seus relatos,
também grandemente difundidos em Buenos
Aires, cuja grande qualidade vai a par com uma produção sui-generis – vivia de
seus escritos e houve períodos em que escrevia um conto por dia – que lhe
propiciaram esse lugar de destaque na Literatura rio-plantense. Bichitos de luz (1925), Cansancio (1927), Cimarrones, Humo de marlo (1944) e Poesia completas (1953) foram seus principais títulos publicados.
Em 1969, doze anos depois de sua morte, um amigo – igualmente grande poeta e
narrador, Serafin J.García – seleciona seis de seus contos sob o título Cuentos escogidos, volume que foi
editado pela Disa de Montevidéu. Todos têm como cenário, personagens, e temas o
homem do interior que Yamandu Rodriguez embora vivendo quase sempre na capital,
retrata excepcionalmente em narrativas que também se nutrem de um inigualável conhecimento da natureza
humana, tanto quanto demonstram a força de seu fazer literário.
Em
“Domingo”, o penúltimo relato da
coletânea, é a expressão do que acontece em algumas poucas horas num rancho perdido no meio do campo onde vivem
o avô e sua neta. Ele, de nome Baesa, veterano de muitas revoluções e escaramuças
militares que, mau grado feitos e valentias foi esquecido como um tenente
qualquer. Quando envelheceu, sozinho, pediu à filha – lavadeira que sustentava
o marido e seis filhos – que lhe mandasse um dos guris para companhia. Foi
Isidora, sua neta de doze anos que chegou com a pequena trouxa de roupa. E ali,
fazendo as tarefas de casa, vendo o avô a descansar, fica a menina. Com seu cabelo preto e seus olhos grandes e luminosos, não é
bonita mas o conjunto agrada. E o avô já pensa que um dia irá casar e ir embora.
Já com seus quinze anos vividos no ermo e sem quase nada para fazer, ela espera
o domingo como se pudesse ser um dia diferente. E, assim ele se torna diante de
sua expectativa. Sobre essa expectativa é que o relato se faz. Entre o momento
em que o avô acorda da sesta e o apagar do dia. Enquanto o avô dorme, Isidora
começa a se arrumar e leva nisso duas horas: lava o rosto ( e até as orelhas e
o pescoço), escolhe a cor da fita que vai por no cabelo, cobre o rosto de pó de
arroz, desembaraça o cabelo, põe o vestido branco, passa os dedos úmidos nas sobrancelhas
e calça os sapatos que tanto lhe machucam os pés. Quando o avô acorda, não tem
tempo para cevar-lhe o mate, tampouco para tomá-lo. Está pronta para o domingo.
Pega um pedaço de pão e a cadeira e vai para a frente da casa, numa sombra, o
mais perto possível da estrada. No colo, põe o lenço pra que as migalhas não
caiam no chão. O avô chega com seu banco e senta perto dela. Ficam em silêncio.
E, quando ele pergunta pela galinha no choco, Isidora não se interessa: é
conversa de segunda feira. Ali, naquela hora, ela vive para a estrada feiticeira, para o horizonte aberto num rumo e
ameaçador no outro, para a promessa que sobe de toda a paisagem.O que será que espera? Uma visita, um presente, um
acontecimento desacostumado? Ainda o ignora. Sente que está em marcha e o
procura pela estrada mais deserta do que nunca. Espera e a tarde avança. O zaino velho se
aproxima da porteira e passo a passo vai se chegando a pastar. Uma a uma, as
galinhas se acomodam na árvore onde dormem.Isidora continua olhando para longe
a paisagem opaca e com a insistência do avô, pedindo para jantar, se rende.
Arrasta a cadeira para dentro, acende o lampião troca o vestido pelos trapinhos de trabalho e só
deseja ver chegar segunda feira e os outros dias da semana que faltam pra que
chegue domingo.

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